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Críticas

Cineplayers

Este documentário canadense mexe com preconceitos de maneira inusitada e divertida.

6,0

Depois que sua mulher o abandonou após seis anos de relacionamento, o documentarista canadense Bryan Friedman procura tentar descobrir o que havia de errado na sua vida afetiva e, para isso, resolve reencontrar o pai, que não via há 20 anos. Para sua surpresa completa, o velho Bill, então com 59 anos, havia se tornado um bodybuilder, tendo inclusive vencido, em terceiro lugar, o campeonato nacional na categoria master. 

Absolutamente chocado (“Ridículo, meu pai está ridículo”, diz logo no início do filme), decidiu filmar a trajetória do pai rumo ao campeonato mundial, tentando entender o que levou Bill Friedman a se tornar um halterofilista e, ao mesmo tempo, aproximar-se do homem que ele rejeitou durante quase toda a vida. O resultado é o hilariante documentário The Bodybuilder and I, um retrato bastante íntimo de uma família canadense que, após um atormentado divórcio, teve de reconstruir as vidas em cima de muito remorso e feridas. Além, claro, de um passeio pelo universo do bodybuilding após os 50 anos.

Bryan, o filho, é um poço até aqui de mágoas. Entrevista o irmão e a mãe para saber como eles refizeram suas vidas. Acusa a mãe de ter-lhe negado o pai e chora em frente às câmeras. Mas a parte mais traumática é mesmo quando pergunta ao pai porque sumiu, foi tão ausente e praticamente ter esquecido do filho mais novo. “Como pode gastar tanto tempo e dinheiro com ginástica e não ter tempo para a família?”, argüi, sempre de maneira nada distanciada, como se exige de um documentarista. Ouve uma resposta apavorante.

Enquanto isso filma a rotina extenuante do pai, a carga imensa de exercícios, a dieta assustadora. Entrevista sua nova esposa, muitos anos mais nova, e todos os principais adversários do pai no torneio mundial, entre eles um americano milionário, que tem toda a tecnologia, dinheiro e iniciativa a sua disposição para vencer, pela segunda vez, o título, atualmente dele. Tudo filmado com o tradicional humor canadense, que se aproxima muito do sarcasmo inglês, mas com indelével acento americano, principalmente na cena em que o diretor tira a roupa e compara o próprio corpo com o campeão.

O filho nunca acredita que aquilo seja verdadeiro, pois, como a maioria da platéia, só consegue ver os halterofilistas por meio do preconceito, pespegando-lhes toda sorte de adjetivos negativos, como hedonistas mesquinhos, obcecados pelo corpo, superficias, vazios etc. A psicanalista entrevistada (que vem a ser a nova mulher do pai) afirma isso, ser a montanha de músculos uma armadura que protege o bodybuilder de alguma coisa dentro de si mesmo.

Dos ensaios das coreografias bizarras e as provas das roupas cafonérrimas, passando pelo bronzeamento artificial, o diretor filma tudo com uma maldade ferina, tentando fazer do pai, que tanto odeia, o auge do ridículo. Só que o efeito, aos poucos, é contrário, e a platéia acaba se identificando com aquele senhor que tem um objetivo na vida, luta para consegui-lo, desconhece a palavra aposentadoria e, mesmo não sendo tão verbalmente articulado como o filho, é dele as melhores frases do filme, como quando se defende das acusações de que foi um pai ausente.

Não chega a ser um documentário profissional no sentido estrito do termo, pois seu painel sobre o universo do bodybuilding na terceira idade é muito restrito para se chegar a alguma conclusão, em especial à pergunta principal que o diretor se faz: o que leva alguém, em qualquer idade, a ser fisiculturista (a pergunta, em si, é aparentemente irrespondível). E sua incursão familiar é de tal modo pessoal e angustiada (com direito ao choro citado) que não há distanciamento crítico que justifique o título de documentário.

Mas pela maneira sem dúvida corajosa de se expor, os seus problemas e de sua família, bem como todos os preconceitos que tem sobre os bodybuilders, notadamente os mais velhos, faz do documentário uma peça no mínimo curiosa, sem dúvida inteligente e engraçada, muitas vezes apelativa e sentimentalóide (reiteradas vezes, aliás), que com certeza leva à reflexão e desconstrói os mitos e preconceitos no que se refere aos fisiculturistas. 

Não é pouco: destruir preconceitos é algo difícil. Por isso vale a pena ver The Bodybuilder and I, no mínimo um programa inusitado e divertido.

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