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Críticas

Cineplayers

Documentário usa fino humor para contar os 10 anos que durou a polêmica reforma do Rijksmuseum, de Amsterdã.

7,5

The New Rijskmuseum (Het nieuwe Rijksmuseum, 2008) foi concebido como um documentário sobre a renovação de um dos maiores museus do mundo, o Rijskmuseum de Amsterdã, que, com mais de 1 milhão de peças, tem algumas das maiores obras de arte da história da humanidade, como os mais famosos quadros de Rembrandt, Rubens e Vermeer, entre outros mestres da chamada Golden Age da pintura, além de umas das mais importantes, se não a mais importante, coleção que data do período medieval na Europa. Prevista para durar três anos e custar 300 milhões de euros, a renovação arrastou-se por mais de 10 anos, com demissões dos principais envolvidos, intervenções do governo (e até da rainha Beatrix), explosão de custos e contou até mesmo com a fúria dos ciclistas holandeses, que se opuseram categoricamente às obras.

Mais do que um retrato dos inúmeros problemas que uma reforma dessa envergadura acarreta, The New Rijksmuseum, o documentário, está sendo louvado como uma contundente análise do impacto da globalização e das novas technologias no turismo, no mercado das artes, na visitação dos museus e, de quebra, como os governos europeus, mesmos os mais eficientes e organizados, estão pouco preparados para enfrentar esses desafios.

Em suas por vezes hilárias e debochadas quatro horas de duração, o documentário começa de maneira eufórica, em 2003, quando o ambicioso projeto de ampliação do museu foi anunciado, com o que havia de mais sofisticado em termos de technologia museológica a ser importado para o Rijskmuseum, ombro a ombro ao Louvre, de Paris, o Hermitage, de São Peterbursgo, e o Museu do Prado, em Madri, entre os mais importantes repositórios de arte do mundo. A pressão era enorme: cada ano fechado custava milhões de dólares ao governo holandês, frustava milhares de turistas e deixavam escondidos alguns dos maiores tesouros da pintura mundial.

Logo os encarregados viram que a tarefa seria muito mais árdua do que o previsto. Apenas uma firma de engenharia apareceu com uma proposta na concorrência pública, mesmo assim com um valor quase três vezes superior ao planejado. A gloriosa entrada, prevista para ser tão ou mais imponente que a do Louvre, foi dolorosamente rejeitada, seja pelos custos, seja pela oposição dos ecologistas e ciclistas, que perderiam uma das principais vias de acesso ao centro da cidade (um atalho, de apenas alguns metros a mais, contornando o museu, foi proposto, mas o lobby do ciclistas terminou vencendo). Resultado: das quatro portas giratórias, só funcionam duas, com os turistas tendo de esperar em filas do lado de fora da construção.

Os mármores foram cortados com erro e um terço das peças teve de ser trocado. O designer francês encarregado da cenografia escolheu um verde considerado escuro demais, e, depois de todas as paredes terem sido pintadas, algumas, em especial o teto, teve de ser repintado – e uma vez re-pintura feita, o sistema de ventilação quebrou porque pombos entupiram o encanamento, de forma que a tinta borrou e tudo teve de ser, pela terceira vez, refeito. A essa altura dos acontecimentos, sem data para uma reinauguração já atrasada em dois anos, os custos alarmantes chegaram aos jornais de maneira ruidosa, arrassando reputações e provocando a demissão do diretor do museu.

Ninguém aguentava mais, a frustração tomou conta da equipe. Cada nova etapa sofria críticas ferozes e enfrentava muita resistência no Ministério da Cultura, que se opunha a qualquer modificação que pudesse atrasar ainda mais a reabertura. Os funcionários públicos holandeses, sem autonomia para decidir, pressionados de todos os lados, atacados nos jornais, atolados na burocracia e com verba curta (relativamente), não encontraram um ambiente propício para dar conta do desafio, e o resultado foram mais reuniões, mais consultas, incontáveis revisões e, claro, mais demora.

Mas além de todos esses quiproquós, filmados com muita elegância e fino humor pelo diretor, o que ressalta no documentário é a transformação do mercado das artes (e turismo correlato) nesses dez anos em que o museu ficou fechado. Os curadores tentaram comprar arte do século 20 e mesmo holandesa para o novo museu, mas deram de cara com o mercado terrivelmente inflacionado. Hoje, museus do mundo inteiro foram às compras para atrair o batalhão de turistas interessados em visitar museus e os valores foram às alturas, tanto que os holandeses não conseguiram comprar nos leilões nem mesmo as obras de seu próprio país (não espere ver os quadros de Piet Mondrian, o maior pintor holandês do século 20, no Rijksmuseum: as obras mais importantes estão nos EUA).

No mais, com a internet, a informação disseminou-se. Antes, entender de história da arte era coisa para iniciados, gente que podia importar caríssimos livros ou fazer cursos privados. Hoje esse mercado simplesmente explodiu: milhões e milhões de curiosos, ávidos para ver de perto as obras de seus artistas favoritos, viajam quilômetros e enfrentam infindáveis horas na fila para tirar uma foto de seu quadro favorito com um celular. Exposições do Van Gogh arrastam multidões onde vão, e os museus são hoje uma das principais fontes de recursos turísticos de várias cidades. A título de exemplo: o Rijksmuseum atraiu, no ano de sua reabertura, 2,2 milhões de visitantes em oito meses, ou 1/3 de todo o turismo internacional do Brasil, de 6,5 milhões de turistas.

O Rijksmuseum não tinha estrutura para enfrentar essa horda de bárbaros. O museu teve de ser completamente repensado. Não só o prédio original, do século 18, construído em torno do mais famoso quadro de Rembrandt, A Ronda Noturna, foi reformado e ampliado, como a coleção a ser exposta mudou, na forma, na iluminação, como os quadros estão hoje dispostos. Cafeteria, restaurante, guarda-volumes, loja, objetos de decoração: tudo em escala monumental para atender a insaciável nova clientela. Visto por esse ângulo, os mais de 500 milhões de euros gastos fazem, sim, sentido.

Quinto mais visitado do mundo, um dos principais principais pontos turisticos da Holanda e parada obrigatória para qualquer um que se interesse minimamente pela história da arte, o Rijksmuseum tem agora instalações a altura de sua importância. No dia que A Ronda Noturna voltou finalmente ao seu “santuário”, o caminhão que carregava o quadro foi acompanhado pelas televisões locais como acontece com perseguições de bandidos no Brasil, com helicópteros iluminando a rota. Lá chegando, uma complexa rede de guindastes ergueu a monumental tela bem no meio do prédio até o salão principal em meio a aplausos e lágrimas. Nem mesmo o pintor viu isso: cortada, reduzida e acusada de cínica, Nightwatch marcou a derrocada de Rembrandt perante a burguesia da época. No novo Rijksmuseum, construído como se fosse uma igreja, o quadro foi posto no seu devido altar para que possa ser idolatrado pelos novos e ardorosos fiéis.

Comentários (4)

Gabriel Fagundes | quarta-feira, 28 de Maio de 2014 - 00:33

A critica está muito boa, mas nada que me faça querer ver um filme desse gênero ou acerca do assunto, o que o inclui. 😕

Caio Henrique | quarta-feira, 28 de Maio de 2014 - 07:26

E eu aqui, tentando pronunciar o nome desse museu...

Régis Trigo | quarta-feira, 28 de Maio de 2014 - 09:36

Em setembro de 2010 fui para Amsterdã com a minha esposa e passei em frente a esse museu (ele fica bem perto de dois outros importantes pontos turísticos da cidade, o Museu dos Diamantes - não recomendo - e Museu Van Gogh - recomendo muitíssimo). O Rijksmuseum estava fechado e com as reformas a pleno vapor. Não sabia que a coisa já se prolongava desde de 2003...

Leandro Albano Marchette | quinta-feira, 29 de Maio de 2014 - 13:33

Onde encontro o filme para assistir? E gostei bastante da crítica =D

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