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Críticas

Cineplayers

Marvel nos apresenta mais um dos heróis dos 'Vingadores' em competente filme de ação.

6,0

É notável o esforço que a Marvel está fazendo nos filmes baseados em seus heróis: a empresa vem lançando trabalhos individuais com certa freqüência, apresentando seus principais personagens e contando particularmente a história e a origem de cada um para que, juntos, formem algo mais épico e já estabilizado, o grupo Vingadores, que gerará um filme com todos eles a ser lançado em 2012 – dispensando a apresentação, já que todos serão conhecidos do grande público e ganhando preciosos minutos para desenvolver a história principal.

Tudo começou com o reboot de Hulk (The Hulk, 2003), dirigido artisticamente demais para a grande massa pelo paciente Ang Lee. O Incrível Hulk (The Incredible Hulk, 2008), de Louis Leterrier e com Edward Norton como Bruce Banner, chegou aos cinemas no mesmo ano em que Robert Downey Jr. reconquistou Hollywood com o seu playboy divertido e milionário Tony Stark em Homem de Ferro (Iron Man, 2008), de Jon Favreau. Ambos tinham algo em comum: a deixa de que a Marvel estava minimamente ligando seus filmes entre si com pequenas, mas significativas participações, quase sempre após os créditos finais dos filmes recém-lançados. De lá para cá, mais um reboot foi anunciado, da franquia Homem-Aranha, e um outro filme novo foi revelado, Capitão América: O Primeiro Vingador (Captain America: The First Avenger, 2011), com Chris Evans vivendo o papel principal.

No meio dessa overdose toda de heróis nasce Thor (idem, 2011), longa baseado na HQ de 1962, inspirada nas lendas dos deuses nórdicos. Filho de Odin, Thor disputa o trono de Asgard com o próprio irmão Loki, que inveja o fato dele ser o preferido pelo pai para substituí-lo e começa conspirações contra o irmão, preterindo que percebam que ele que deve assumir o trono. Banido de sua terra e privado de seus poderes para crescer como líder após uma atitude irresponsável, Thor chega a Terra e se envolve com a astrofísica Jane Foster (Portman), que servirá de contrapeso da história para seu aprendizado e sua redenção. Enquanto isso, Loki tenta salvar seu povo e provar de que ele é um substituto a altura do pai.

Nessa salada de frutas Shakesperiana, nada mais justo do que a Marvel ter escolhido o diretor Kenneth Branagh para comandar o longa, visto sua experiência com os textos do autor ao longo da carreira - só no cinema dirigiu Henrique V (Henry V, 1989), pelo qual foi indicado a alguns Oscar, incluindo o de direção, e Hamlet (idem, 1996), no qual fez também o papel principal do príncipe da Dinamarca. Aqui, o pesado conflito familiar entre pai e filhos demonstra-se bem desenvolvido. Tanto Thor quanto Loki apresentam características boas e ruins, e havia necessidade de uma mão experiente para segurar os excessos e intercalá-los com os períodos da história na Terra, abordada de maneira mais tradicional, onde e quando a diferença de personalidade entre os dois começa a desaflorar.

É aí que entra a primeira observação sobre o comando do longa: preocupada em manter uma coerência visual e narrativa entre os filmes que precedem o lançamento dos Vingadores, a Marvel obviamente limita a liberdade de seus diretores para manter o total controle sobre as obras, certamente exigindo o corte final da montagem e demais criações artísticas sobre a obra como autor. Kenneth, um diretor mais autoral, segurou a onda no balanceamento entre fantasia / mundo real, mas cometeu alguns deslizes na hora de posicionar sua câmera, quase que atraindo a atenção para si, demonstrando claro incômodo por não poder ir até onde queria – e se seus ângulos peculiares funcionaram em Frankenstein de Mary Shelley (Frankenstein, 1994), aqui volta e meia sentimos um destacamento incômodo de uma imagem ou outra. Esses enquadramentos devem ser feitos de maneira simbiótica, imperceptível ao grande público, e não causar a sensação de que há algo errado ali.

Essa intervenção da Marvel pode causar antipatia à primeira vista, mas é compreensível: a série é cara, pensada como vários filmes, uma preparação para um grande acontecimento, então a Marvel, como empresa, tem que segurar as rédeas não apenas de Kenneth, mas também dos outros diretores que toquem essa cinesérie para que haja um resultado controlado. Kenneth era necessário por sua experiência com o tema, o que explica racionalmente  sua escolha perante uma seqüência de diretores menos conhecidos que precederam os não tão intensos O Incrível Hulk e os dois Homens de Ferro – e basta pensar um pouco para entender porque Jon Fraveau pulou fora do terceiro filme de Tony Stark; agora mais famoso, provavelmente queria mais poder.

Porém, a mão do diretor funciona ao retratar Loki de maneira tridimensional: no começo, não o vemos como vilão, e sim como uma pessoa que deseja realmente estar no trono por se achar capaz de fazer o melhor para seu povo. Seus erros são construídos de maneira verossímil (porém óbvia) e conseguimos compreender porquê ele passa a agir diferente, com uma coisa levando a outra com calma – algo que a tradicional cena após os créditos tenta sabotar, ao mostrá-lo de maneira errônea perante o que havia sido construído anteriormente.

Chris Hemsworth, outrora um garotão aprendendo a responsabilidade de comandar toda uma tripulação de uma nave estelar em Star Trek (idem, 2009), vive um déja vù em Thor e dá um susto ao aparecer quase irreconhecível em tela, com longos cabelos loiros e um corpo escultural perfeito – as meninas irão suspirar com suas cenas sem camisa. Ainda que não tenha o carisma de Robert Downey Jr., o ator consegue se sair bem tanto nas seqüências de ação quanto nas tiradas cômicas, que não são poucas. A Marvel parece ter encontrado um padrão em seus roteiros, introduzindo o personagem, explorando sua sensacionalidade, introduzindo um problema e o solucionando com muita explosão. Thor não é diferente.

Natalie Portman, que mesmo antes de ganhar o Oscar por Cisne Negro (Black Swan, 2010) parecia querer bater o recorde mundial de produções realizadas por ano, revela seu lado nerd ao viver com olhar esperançoso a astrofísica Jane Foster, responsável por perceber na Terra a possível ligação com outros mundos mais desenvolvidos. O romance entre Thor e Jane acaba um pouco apressado, é verdade, mas como não se apaixonar por Portman quando ela sorri para você? Sua personagem tem uma importante função nessa engrenagem toda para a história funcionar, então mais uma vez sua atuação é essencial para salvar possíveis desastres que originariam uma bola de neve para algo muito pior.

Sua interpretação conflita diretamente com a do Sir. Anthony Hopkins, ator experiente que explora um lado mais teatral ao encarnar Odin, figura onipotente que comanda Asgard e prepara seus filhos para substituí-lo um dia. A diferença entre os objetivos de Portman e Hopkins é óbvia: uma retrata a humanidade, o pé no chão, a aproximação deste filme com os demais da série; já Hopkins é a ponte com a fantasia, o inalcançável, a fuga da realidade necessária para que a história de Thor funcione, já que ela escapa muito mais do conceito de realidade do que os outros filmes da Marvel lançados até então. Não tinha como ser diferente: desde seu conceito, Thor é um filme muito mais grandioso, épico, que foge naturalmente do próprio conceito de real – estamos falando de um Deus, não de um humano modificado geneticamente ou de um milionário que constrói seu próprio poder com potencial bélico ultra avançado.

Diferente dos demais filmes, onde o vilão é fraco demais para convencer de que há realmente um perigo por perto (a não ser que você considere Hulk seu próprio vilão, o que é interessante), em Thor sentimos que a Terra está realmente passando por maus bocados e precisa de um herói. Estou curioso para saber como a Marvel irá lidar com esta diferença tão gritante de conceito de modo igualitário com os outros heróis que irão compor os Vingadores. Thor é uma figura imortal, mais ou menos como o Super-Homem, da DC, então ele só se torna mais vulnerável quando perde seus poderes, e isso já foi utilizado aqui. Que tipos de desafios ele poderá enfrentar sem que os outros heróis o atrapalhem? O nível de ‘poder’ (assumindo de vez a fantasia da coisa) é muito discrepante.

A diferença entre real e imaginário está também na composição dos efeitos especiais, espetaculares, que retratam Asgard de maneira visualmente sublime, gigantesca, poderosa e diferente, lembrando os templos de God of War, jogo para Playstation. Belíssima, é um lugar que realmente parece ser superior. A maquiagem dos gigantes de gelo é sensacional, funciona tanto na parte do suspense quanto na ação – aqui um pouco prejudicada pela inexperiência de Kenneth, que parece mais ter ouvido conselhos de Michael Bay sobre como filmar cenas de lutas e volta e meia não nos deixa enxergar aquilo que está acontecendo em tela com tanta trepidação.

É curioso notar que os filmes de heróis deram uma revitalizada depois de um período de hiato: criados em uma época inocente, os super heróis eram vistos até recentemente com ares ultrapassados, caindo no desuso de uma juventude mais cética e questionadora. Hoje, depois de Homens-Aranhas e Batmans bem sucedidos, o cenário é outro e o público abraça novamente a idéia dos heróis salvando pessoas inocentes e beijando belas donzelas no final, desde que tudo esteja maquiado sob uma - agora perceptível - falsa sensação de realidade. Thor é bastante divertido e cumpre seu papel de entreter do início ao fim, possivelmente agradando a todos os gostos por ter tanta coisa acontecendo em apenas duas horas, mas não tropeçando nas próprias pernas no meio do caminho.

Comentários (5)

Adriano Augusto dos Santos | terça-feira, 17 de Abril de 2012 - 09:46

Depois de X-Men: First Class,meu preferido da Marvel.
Muito bem dirigido,muito mesmo,se pensarmos que há toda a diretriz da Marvel e um controle sobre,isso tem ainda mais peso.

Caio Gouveia | quinta-feira, 16 de Agosto de 2012 - 08:35

Eu gostei bastante. Depois do Homem de Ferro, achei o melhor dos Vingadores.

Yago Rodrigues Oliveira | domingo, 27 de Maio de 2018 - 20:12

Divertido, despretensioso! Entretém por duas horas e aquela sensação de "filme chato" não aparece em nenhum momento

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