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Críticas

Cineplayers

Um documentário desde já fadado a ser lição obrigatória nas futuras aulas de história. Moore reinventa o gênero.

9,5

Domingo, 23 de Março de 2003.

Um homem, até então desconhecido para muitos de nós brasileiros é dado como favorito ao Oscar de Melhor Documentário na premiação realizada no Kodak Theather, sob forte esquema de segurança que envolvia a ação integrada de vários departamentos de polícia de Los Angeles incluindo o FBI, frente ao medo gerado pela possibilidade de ataques terroristas, tendo em vista a guerra do Iraque patrocinada e realizada pelo governo Bush.

Entre os nomes que compunham os indicados a Melhor Documentário, estavam: ‘Daughter from Danang’, ‘Prisioner of Paradise’, ‘Spellbound’, ‘Winged Migration’ e ‘Bowling for Columbine’ (ou “Tiros em Columbine”). “Michael Moore”, diretor do último filme em questão, era dado como certo vencedor do prêmio, frente à qualidade de seus documentários, premiado inúmeras vezes antes. Moore sempre teve fama nos Estados Unidos; seus trabalhos por uma via ou outra sempre exploraram o lado político, buscando respostas e deixando questões em aberto para debate com a sociedade. Michael, acima de tudo, antes de um exímio diretor, é um entrevistador de primeira linha. Agressivo e manipulador, Moore faz com que suas “vítimas” caiam em contradições e aperta-os contra a parede, como aconteceu com Charlton Heston, ao final de ‘Tiros em Columbine’. Uma entrevista brilhantemente bem conduzida.

Por essas e outras Moore é mais ou menos conhecido como o que seria o “Boca do Inferno” para nós. Na premiação do Oscar, estavam proibidos quaisquer citações à guerra do Iraque, seja de apoio ou seja de reprovação. Mas alguns acabaram por quebrar essa regra como “Adrien Brody” (vencedor do Oscar de Melhor Ator por “O Pianista”; outro filme de guerra) num discurso mais politicamente correto, e o próprio Moore, num discurso absolutamente direto, claro e livre de qualquer aspecto formal. No parágrafo abaixo você pode relembrar os dizeres do diretor, que levou consigo ao palco todos os outros diretores dos outros filmes indicados.

“Uau. Em nome de nossos produtores Kathleen Glynn e Michael Donovan, do Canadá, eu gostaria de agradecer a Academia por isso. Eu convidei meus colegas documentaristas indicados para o palco conosco, e nós gostaríamos de - eles estão aqui em solidariedade comigo porque nós gostamos de não-ficção. Nós gostamos de não-ficção e vivemos em tempos fictícios. Nós vivemos no tempo em que temos eleições de resultados fictícios que elegem um presidente fictício. Nós vivemos em um tempo em que nós temos um homem nos mandando à guerra por razões fictícias. Se é a ficção da fita isolante ou a ficção dos alertas laranjas nós estamos contra essa guerra, Senhor Bush. Que vergonha, senhor Bush, que vergonha. E a qualquer momento em que você tem o Papa e as Dixie Chicks contra você, seu tempo acabou. Muito obrigado.”

E foi assim, sob aplausos e vaias, que Moore deixou o Kodak Theather com sua estatueta. Seu mais recente trabalho publicado, além do filme, acaba de chegar ao país. Seu livro, um dos maiores best-sellers dos últimos tempos, ‘Stupid White Man’ (Estúpido Homem Branco) é uma critica direta ao governo Bush, entre outras coisas.

Uma das coisas que mais impressionam a respeito do documentário, além de sua temática, são os prêmios que o filme conquistou. Entre 25 nomeações, “Tiros em Columbine” levou nada mais nada menos que 21 dos prêmios; entre eles: o Oscar, o OFSC, Cannes (por unanimidade) e muitos outros.

Voltando um pouco para a temática do documentário, “Tiros em Columbine” tem em seu leque de assuntos vários tópicos abordados por Moore de maneira magistral. Mas o foco principal não deixam de ser dois pontos. O primeiro seriam os massacres com armas de fogo realizados por jovens nos Estados Unidos em diversas universidades e instituições de ensino médio; e o segundo ponto seria a facilidade com que as pessoas compram armas e como a sociedade norte-americana integra-as em seu dia-a-dia. Além disso são abordados outros temas também como o onze de Setembro e a participação da mídia na construção de uma sociedade tomada pelo medo da violência quando, na verdade, os indicadores sociais nos Estados Unidos mostram, nos últimos anos, uma verdadeira queda na taxa de violência urbana. O exemplo que “Moore” dá citando o Canadá (país vizinho aos EUA) é de deixar qualquer um de queixo caído, espantado.

O filme prende o público, mantendo-no atento do início ao fim. O diretor utiliza alguns recursos para isso como a pequena animação “Uma introdução à História dos Estados Unidos” que conta de maneira absolutamente cômica a forma de como negros e brancos chegaram a um nível de preconceito absurdo em dias atuais, a reportagem culmina numa entrevista (agressiva, novamente) de Moore com o diretor do seriado “Cops”, que exibe os policias norte-americanos em ação. Motivo? 90% dos casos apresentados envolvem negros.

Outro recurso que Moore se utiliza é de um pequeno filme com imagens reais de guerras em que os Estados Unidos participaram direta e/ou indiretamente, incluindo assassinatos de líderes eleitos por regimes totalmente democráticos. Esse pequeno filme também mostra como o próprio Estados Unidos financiou o Iraque e de Sadam Hussein e o Afeganistão com a presença de Osama bin Laden. O pequeno filme termina com as imagens de onze de setembro sob os dizeres: “11 de Setembro de 2001: Osama Bin Laden usa todo o investimento dado pelos EUA para destruir um dos maiores símbolos do capitalismo atual”. De Nixon à Bush, Moore ataca à todos, não sobra nem para Bill Clinton, um dos maiores presidentes que os EUA já tiveram.

Um dos outros temas abordados por Moore já comentado aqui é a participação da mídia na construção de uma sociedade violenta. Michael adota duas perspectivas; o conteúdo dos noticiários de grandes redes de televisão e, num outro paralelo, busca essas mesmas respostas para essa questão: “o porquê da violência”. A quem culpar? Filmes? Jogos violentos? Esportes que incitam a violência? Artistas de Rock? É nessa hora que entra o tal exemplo do Canadá que tem quase todos esses mesmos costumes, entretanto, não apresentam de forma alguma os índices apresentados por seus vizinhos.

Bem, é impossível querer comentar de todos os aspectos que o filme trata aqui, em simples parágrafos, pois o mesmo é muito abrangente e expande os horizontes de suas perguntas feitas inicialmente, acabando por gerar outras tantas. Mas Moore procura, de uma forma ou outra, respondê-las todas.

“Tiros em Columbine” provavelmente será um daqueles filmes que nossos filhos, um dia, terão que escrever uma crítica, resumo ou análise a respeito do mesmo para uma aula de história a pedido do professor. Aliás, tenho certeza absoluta que meu ex-professor de história simplesmente adorou este documentário. Ousado e inteligente, o filme não teve muito marketing, também pudera, olha só o tema. Será que interessaria ao governo norte-americano patrocinar uma película dessas? É óbvio que não. Contudo “Bowling for Columbine” está ganhando muita força no sentido de propaganda “boca-a-boca” por contagiar as pessoas que assistem ao filme. Mais do que uma simples diversão numa tarde qualquer, “Tiros em Columbine” deveria ser encarado mais como uma obrigação, um filme que todos precisam ver.

Parafraseando o ex-presidente norte-americano Roosevelt: “onde entram nossos filmes, chegam os nossos produtos”. Essa afirmação de fato é verdadeira. Talvez seja esse o motivo da pouca publicidade do filme (a eterna luta para esconder os “podres” de uma nação) ou a dificuldade que é encontrá-lo nos cinemas; muitos não estão exibindo-o, outros em poucos e inacessíveis horários, entretanto, o público parece estar se conscientizando da importância dessa fita.

Uma coisa é certeza, seja você de qualquer corrente de opinião que for, “Tiros em Columbine” é um filme que você não pode, em hipótese alguma, deixar passar em branco pelos cinemas. É um filme para se ver e rever; até agora, simplesmente um dos melhores do ano senão o melhor. Marcante e ousado. Resta-nos agora aguardar pelo próximo projeto de Moore, que promete gerar mais polêmica ainda, a respeito dos atentados de onze de setembro.

Comentários (1)

Paula Lucatelli | quinta-feira, 16 de Outubro de 2014 - 00:50

Saudade de boas críticas no Cineplayers.

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