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Críticas

Cineplayers

Dentro da Parede.

7,0

Trabalhar Cansa, segundo filme exibido na mostra Un Certain Regard (aberta um pouco mais cedo pelo filme de Gus Van Sant, Restless), é o primeiro longa de Juliana Rojas e Marco Dutra, autores de dois curtas já exibidos em Cannes: O Lençol Branco (2003) e Um Ramo (2007). O filme é centrado em três personagens: Otávio, o marido desempregado, Helena, a esposa que acaba de abrir um pequeno negócio, e Paula, a empregada que trabalha em sua casa e toma conta de sua filha. Embora seja um filme bastante peculiar dentro da atual produção brasileira, sua trama essencial é bastante simples: Otávio tenta de todas as maneiras arrumar um novo emprego, enquanto que Helena vai tentar fazer vingar sua mercearia, a despeito de dificuldades diversas e relações cada vez mais balançadas com todos que a cercam.

O próprio título do filme traz explícito o que será a força motriz de sua dramaturgia: o trabalho, ou seja, como as relações de trabalho interferem de maneira decisiva na intimidade, no percurso, nas relações entre as pessoas e o mundo que as cerca. Um movimento por si bastante ousado: tentar encarar, hoje, a questão do trabalho e das classes, das quais a grande maioria do cinema brasileiro contemporâneo foge como o diabo da cruz. E encarar esta questão não é apenas tematizá-la ou tentar dar conta de sua inteireza a partir de procedimentos melodramáticos desgastados ou mascaramentos quaisquer, mas enfrentá-las como um desafio estético mesmo, assumindo sua complexidade sem negar sua existência. A política, portanto, não está na “mensagem” do filme, mas em sua postura diante da questão e suas diversas e nem sempre perceptíveis imbricações na realidade.

E a escolha aqui, como nos trabalhos anteriores da dupla, é pelo estranhamento, que começa por um certo ar extemporâneo: o filme mostra um Brasil com ares pessimistas típicos da era pré-Lula, cujo clima cinzento destoa, ao menos aparentemente, do reinante otimismo contemporâneo.  E isso se torna realmente interessante porque, ao menos explicitamente, Trabalhar Cansa não deseja se situar em um momento específico, ou seja, essa certa névoa temporal algo anacrônica também pode ser pensada como uma espécie de contraponto, como se o filme quisesse causar esse incômodo ao descer em questões que, talvez cedo demais, saíram da pauta de discussão.

Mas o filme vai também buscar esse estranhamento na maneira com que agencia determinadas influências, sobretudo na construção dos climas e atmosferas que vão perpassar a duração do filme. O terror (e algum humor) aparece por vieses e matrizes diferentes, das quais parecem sobressair Polanski, Shyamalan e Edgar Allan Poe. Nem sempre bem equilibradas, elas tentam dar ao filme essa ambiguidade de uma força realista que advém de uma mise-en-scène rigorosa em sua relação com os corpos e objetos no espaço (público ou privado) da cidade, com certa metafísica imanente no mundo e nas coisas: nunca se sabe ao certo o que há escondido no chão ou atrás das paredes.

No entanto, se algumas das articulações parecem não obter a força pretendida, outras são profundamente marcantes como o da dinâmica empresarial da qual Otávio participa involuntariamente ainda no início do filme, na qual terror e humor se misturam de maneira perturbadoramente indiscernível. Se Otávio caminha em direção ao surto por não conseguir trabalhar, Helena o faz pelo motivo exatamente contrário. O  colapso é o que resta ao corpo, hoje? A ver.

Visto no Festival de Cannes 2011.

Comentários (1)

Victor Ramos | quarta-feira, 05 de Outubro de 2011 - 14:55

Que muito assistir.

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