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Críticas

Cineplayers

Didático em excesso e, mesmo assim, de absorção limitada. Do mesmo modo, interessante em sua denúncia.

6,0

Qualquer pessoa sabe que a crise financeira internacional de 2008 abalou os mercados de todo o mundo. Alguns têm mais ciência de suas causas e efeitos, outros menos. Com a falência do banco de investimento Lehman Brothers, deflagrou-se o caos no sistema financeiro, com efeito cascata nas demais instituições do gênero. O que este documentário vencedor do Oscar mostra são os meandros dessa crise, analisando desde o passado de desregulamentação do mercado por parte do governo norte-americano até as consequência atuais.

Querendo ser amplo em seu estudo, Trabalho Interno abre demais o leque para não deixar absolutamente nenhum aspecto de fora, mas parece perder o foco em sua jornada investigativa quando, por exemplo, aborda o conflito de interesses de professores conceituados de Universidades como Harvard e Columbia ao atuarem como consultores de instituições financeiras, o que os leva não só a educar os futuros econômicos e administradores com conceitos duvidosos, e sabendo que estão fazendo isso, mas também a prestarem consultorias fraudulentas. Tudo em nome de remunerações altíssimas.

Essa mesma relação de dependência do capital leva as agências de classificação de risco a fecharem seus olhos para os problemas que evidentemente poderiam constatar em seus ratings. O documentário mostra todos esses aspectos e desenvolve sua narrativa de forma didática, disposto a não deixar nenhuma vírgula de fora. Contudo, essa opção não é eficaz, porque o assunto é maçante para duas horas de linguagem econômica. E nem recursos gráficos diminuem esse problema; só acentuam o equívoco na forma.  Por mais que o assunto seja bem esmiuçado, não há tempo para absorver tudo o que é passado. A narrativa poderia ser menos abrangente e negligenciar pequenos pontos para causar reflexão maior no espectador comum.

Entretanto, Trabalho Interno é louvável ao fazer uma contunde crítica ao sistema financeiro sem poupar o sistema político que o sustenta. E o principal mérito é não ser partidarista nessa denúncia. Sobra para republicanos e democratas que, como evidenciado, insistem em repetir o erro. Por que será? Ainda é estarrecedor ver que os mesmos nomes dominam postos estratégicos da maior economia do mundo, e a mais influente delas, com persistência em ideias fracassadas e a serviço de especuladores. Mesmo depois da turbulência global, todos continuam felizes recebendo bônus milionários para levar suas empresas a bancarrota e destruir a economia mundial. O importante, dentro desse sistema autodestrutivo, é acumular quando pode e também quando não pode.   

Se por vezes o excesso de didática é consequência de equívocos no roteiro, o mesmo não se pode dizer do brilhante início, no qual o foco é a Islândia. Considerado modelo por anos, o país possuía bancos estatais regulados com olhos de águia pelo governo e a estabilidade econômica resultava em prosperidade nas condições de vida dos moradores. Mas, por interesses escusos, o país permitiu a privatização de suas instituições e, assim, tornou-se alvo de especuladores e mais um dentro do interligado sistema financeiro global. E é a partir do estouro da crise e da clara culpa norte-americana na atual situação dos islandeses que o documentário faz a ponte para criticar os Estados Unidos.

O diretor Charles Ferguson abusa de gráficos para explicar o que são aqueles números gigantescos e a venda de títulos podres que acarretou na bolha do crédito imobiliário. O colapso no sistema de hipotecas foi culpa da terceirização de títulos por parte de bancos de investimento como o Lehman Brothers e a especulação financeira cegamente apoiada pelas agências de risco. Ninguém fez o papel que deveria, é isso que o documentário deixa claro. Sem poder negar ter conhecimento dos problemas da desregulamentação crescente, mas mesmo assim fazendo isso, economistas, professores, políticos e diretores de bancos se fazem de dissimulados. A impressão é de que preferem passar por mentirosos do que perder seus altos cheques anuais.

Agrada o estilo quase agressivo e constrangedor de Ferguson durante as entrevistas com muitos dos responsáveis por esse caos, mas o crescente didatismo de sua narrativa, quase transformando o documentário em uma aula cinematográfica de economia, é equivocado, e ainda assim, como já disse, não permite a absorção completa do conteúdo. Mas, Trabalho Interno não deixa de ser interessante e esclarecedor para quem de alguma forma se interessa pelo tema ou está habituado a ele. Ferguson é claro: somos reféns de um sistema corrompido.

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