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Críticas

Cineplayers

O código de Bay.

3,0
Michael Bay vem desenvolvendo desde Bad Boys um estilo muito particular de lidar com o quadro em seus filmes. A ação caótica, cada vez mais incompreensível, foi se tornando uma desculpa para Bay e seus fotógrafos testarem as mais variadas câmeras em usos de luz dos mais abstratos. Seus set pieces não são o foco, nem as cenas de drama; todas dirigidas no mesmo tom, focando o movimento sempre, mesmo que a montagem fique incompreensível. Bay não pensa os planos enquanto recortes de um todo, mas em pequenos fragmentos de movimento ininterrupto, sempre afeiçoados antes no potencial abstrato de luz e nunca no potencial dramático. Transformers - O Último Cavaleiro quase segue esse rumo.

Aqui nota-se que há um esforço de pensar a mitologia dos robôs não como uma curiosidade para começar o filme, mas levando em conta seu papel na construção do universo representado ali - e nas consequências que isso leva. O roteiro de Art Marcum, Matt Holloway e Ken Nolan abre com mais uma retcom na franquia, dessa vez trazendo a lenda do Rei Arthur como uma historia alternativa de primeiro contato com os Transformers. Paralelo a isso, Optimus recebe uma missão divina de reconstruir Cybertron no lugar da Terra. A morte de uma historia para a substituição de outra é o que liga todos os personagens do filme, e é no que se baseia os arquétipos humanos da narrativa.

A personagem feminina principal, que começa com um discurso de equidade feminista e termina sendo subjugada por cada homem da narrativa, é uma historiadora que conta o como a lenda de Rei Arthur e Merlin era uma mentira fantasiosa; o doutor vivido por Anthony Hopkins é um historiador das lendas, um homem interessado nos mitos; a menina Izabella é responsável por cuidar de robôs numa zona de conflito, vítimas da perseguição aos Transformers; o personagem de John Turturro volta à franquia também, justo pelo seu potencial de historias secretas, no que está escondido.

Nessa relação de ressignificações históricas enquanto enigmas, Bay aproxima tempos através de situações e o que elas representam. Ainda que encenada e filmada com um descaso absurdo, uma ideia interessante é a da historiadora ser apresentada num jogo de pólo; é como se a ação dos cavaleiros tivesse sido domada, e um esforço civilizatório que não nega as origens da Historia, mas cujos vencedores a domesticam para seus próprios interesses.

O problema principal é que essa ênfase na mitologia é toda muito ridícula, e não é possível que pensaram que a solução para esses filmes era complexificar as relações dos personagens dando a eles um subtexto temático, ou recomeçar (novamente) a historia da franquia. É um filme muito sério, sobre historias muito sérias, com personagens muito sérios, e cujo disposição para construção mitológicas desses enigmas que questionam signos e significados é completamente nula. Chega uma hora que colocam vários gênios da historia da humanidade como detentores de conhecimento por serem da linhagem sagrada de Merlin. Eu não acreditei quando me peguei vendo O Código da Vinci Transformers, parece que encomendaram o roteiro pro Nolan.

E a pretensão temática furada executada de forma suspeita revela a inconsciência de Bay sobre o que conversa em seus filmes. Em Sem Dor, Sem Ganho, seu melhor filme desde A Rocha, Bay questionava em tela temas que lhe eram caros: o fascismo era ridicularizado, a historia de sucesso do self-made-man fluindo entre a sátira e a sociopatia, toda sua fascinação pelo militarismo era convertida numa ideia falida de masculinidade da época retratada no filme. O moralismo se mantinha ao final, mas isso mostrava mais que era um filme inegavelmente americano que um filme do diretor. A questão interessante disso é que Bay voltou a glamourizar todos as patriotadas e machismos logo em Transformers 4, seu filme seguinte, e isso diz muito sobre a forma do diretor de lidar com seus materiais; é sobretudo ignorância o fio condutor dessas narrativas, e Bay simplesmente parece não saber o que está contando.

A contradição disso é justamente a força em A Rocha e Sem Dor, Sem Ganho, e aqui a necessidade do diretor de se desenvolver apenas numa ação anti-questionadora não só o mantém estagnado como trai muito do que se desenha pelos seus filmes de gênero. Bay parece sempre ansioso para pontuar suas cenas com piadas, sejam machistas ou xenofóbicas, e aqui não demonstra disposição nem para apresentar personagens - como o primeiro filme fazia razoavelmente. Transformers sequer traz movimento.

Mesmo a estrutura se repete para rearranjar todos os elementos dos outros filmes. A trama do escolhido do segundo filme (ainda o pior da série) se entrelaça com a ficção espacial do terceiro e o hyperlink internacional do quarto filme para trazer um resultado que soa simultaneamente insuficiente e inchado. Mesmo o desenvolvimento de personagens é suspenso quando demanda o roteiro, como Izabella só sumir na segunda metade do filme depois de uma hora a construindo. Quando se vê com 30 minutos que as cenas só não existem, o mínimo que se espera é que se torne algo inacreditável, uma inconsequência convicta. Mas não, nem anárquico formalmente o filme é, é sobretudo um padrão de narrativa clássica muito mal realizada.

E por aí tome várias emoções e intrigas nunca sentidas, mas ditas sempre pelo texto. Não que seja muito diferentes de séries como House of Cards ou os filmes da Marvel, mas ao menos esses produtos preguiçosos não vem recheados com tanta escrotice. Chega um momento em que Anthony Hopkins surta e começa a segurar e gritar com uma mulher asiática porque sim, porque parece uma boa piada. Como a cena em que Hopkins, a historiadora vivida por Laura Haddock e Mark Wahlberg falam sobre o "celibato" desse último, o que não é possível que não tenha constrangido todos os envolvidos.

A receita pra isso dar certo não é tão absurdo, é saber encenar ação - é um filme de bonecos, afinal. Essa tentativa de complexificar gera cenas hilárias como a que Hopkins e Turturro descobrem que o ponto central da profecia é Stonehenge, uma histeria coletiva filmada como uma grande descoberta.

Na hora de resolver um enigma, é sintomático que os personagens só entrem na sala e comecem a destruir tudo para achar o tesouro. Não há um esforço de mistério, não há curiosidade; o que há são piadas sexistas enquanto a ação acontece. Bay cada vez mais caminha para uma anulação da narrativa, para a fragmentação completa da linguagem, em que pode misturar aspectos, formatos, digital com película, gopros e 5Ds ao seu IMAX 3D, luz natural estourada com texturas e partículas. Nesse filme ele ainda tenta contar uma historia, e talvez isso seja o que o mais comprometa.

Comentários (5)

Karlos Fragoso | quinta-feira, 27 de Julho de 2017 - 11:59

Não como esse kra (Bay) nao desiste de fazer essa porra de filme!! pqp!!

Luiz F. Vila Nova | quinta-feira, 27 de Julho de 2017 - 13:37

"150 minutos"

Porque na cabeça do Michael Bay isto já é o suficiente para o filme ser considerado um épico. 😏

Alexandre Koball | sábado, 29 de Julho de 2017 - 13:17

Finalmente parece que Transformers perde o status de filme-evento que vinha trazendo desde o original. A bilheteria foi pífia e as críticas as piores da série. Antes tarde do que nunca.

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