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Críticas

Cineplayers

No resumo da ópera, Tristão e Isolda é um típico filme desnecessário.

4,0

Regra n.º 1: nunca confie nos filmes lançados no mercado americano no mês de janeiro.

Regra n.º 2: nunca confie num filme em se leia nos créditos o nome de James Franco.

Regra n.º 3: desconfie de supostas novas produções ambientadas na época medieval e baseadas em lendas do passado, todas elas geradas na esteira de antigos sucessos sobre temas semelhantes.

Muito provavelmente, os interessados em conhecer a história de Tristão e Isolda não vão dar muita bola para estes três conselhos. No entanto, se é certo o ditado que prega que são amigos aqueles que avisam previamente sobre eventuais transtornos futuros, creio que seria recomendável os fãs do Cine Players lerem estes pequenos comentários.

Tristão e Isolda conta a história do amor proibido entre o principal soldado das tropas bretãs e a filha do rei irlandesa, países que, logo após a queda do Império Romano, algo em torno do Século VII, disputavam o domínio da região. A Inglaterra vivia dividida em várias tribos, inimigas entre si, que permitiam que a Irlanda tivesse a supremacia do local. O Rei Marke (Rufus Sewell), da Bretanha, lança mão de sua liderança natural entre os chefes dos diversos clãs, e procura reunificar o país. Pegos numa emboscada, são atacados pelos irlandeses. Tristão, ainda criança, (Thomas Sangster), vê a morte de seus pais e é salvo justamente por Marke, de quem se torna uma espécie de filho adotivo. Os anos passam, a luta ente a Inglaterra e a Irlanda continua, Tristão (já interpretado por Jame Franco) virou um exímio guerreiro e homem de confiança do Rei Marke. Num ataque surpresa ao inimigo, Tristão mata o principal soldado irlandês mas é ferido e dado como morto. Seu corpo é jogado ao mar, indo desaguar em águas irlandesas. Encontrado por Isolda (Sophie Myles), percebe-se que ele, na realidade, está vivo. Sem conhecer as respectivas identidades e raízes, os dois passam a se encontrar constantemente, durante o tempo de convalescença de Tristão. Surge daí a paixão dos protagonistas e, consequentemente, o conflito base do filme.

Ridley Scott acalentou este projeto por quase 30 anos. Era seu desejo filmar esta história logo após sua obra de estréia, Os Duelistas, em 1977. Quando seu agente, no entanto, lhe trouxe o roteiro de Alien, o 8º Passageiro, o sonho teve ser colocado de lado. De lá para cá, percebendo que talvez nunca conseguisse colocar a idéia em prática, preferiu transferir a batuta para o diretor Kevin Reynolds, assumindo a função de produtor-executivo.

Reynolds é um caso curioso no cinema americano: seus filmes ficaram mais famosos pelos bastidores do que, propriamente, por seus méritos. Após o sucesso de Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões, no início da década de 1990, sobrevieram dois retumbantes fracassos: Rapa-Nui (1994) e Waterworld - O Segredo das Águas (1995). Neste último, ficaram famosas as brigas nos sets de filmagens entre o diretor e Kevin Costner, astro principal da produção e, a partir daquele instante, ex-amigo (ambos se conheciam desde o início das respectivas carreiras, e surgiram numa pequena fita chamada Fandango, produzida por Steven Spielberg).

Waterworld deixou marcas em Reynolds. O diretor permaneceu em silêncio até 2002, quando lançou outra versão - apenas correta – da clássica obra de Alexandre Drumas, O Conde de Monte Cristo. Agora, quatro anos depois, recebeu das mãos de Ridley Scott novos votos de confiança e sinal verde para filmar a lenda britânica de Tristão e Isolda.

A primeira indagação que me vem à mente é: independentemente dos aspectos de bilheteria, vale a pena um projeto desta natureza? Após tantos filmes recentes tratando de temas semelhantes, como Gladiador, Tróia, Coração de Cavaleiro, Rei Arthur, Cruzada, Alexandre e outros tantos, qual a importância de uma produção como Tristão e Isolda? Mesmo se considerarmos que muitas destas fitas são ambientadas em épocas históricas diferentes, para o grande público esses momentos se confundem e se misturam. As obras acabam sendo rotuladas como “filmes de capa-espada, inseridas na época medieval e recheadas com um romance quase sempre proibido”. Vem daí minha sensação de que este Tristão e Isolda não passa de um filme descartável.

Tristão e Isolda foi lançado nos cinemas americanos no mês de janeiro. É sabido que esta época é conhecida por ser um período meio morto dentro do calendário cinematográfico. A indústria já vive a expectativa da entrega dos Globos de Ouro e as especulações para os indicados ao Oscar. É como se em janeiro, Hollywood fechasse para balanço, um mês reservado para se rever os acertos e os erros do ano anterior. Além do mais, as férias de Natal e reveillon fazem com que as pessoas viajem e deixem o cinema com opção secundária de divertimento. Com a atenção do público desviada, tornou-se habito por parte dos estúdios aproveitar  este momento para desovar seus produtos de segunda linha, dos quais pouco retorno se espera, tanto da crítica quanto das bilheterias. Em outras palavras, para o americano um pouco mais exigente, é duro ir ao cinema no mês de janeiro.

Neste sentido, não é à toa o fato de Tristão e Isolda ter sido lançado justamente nesta época do ano. Revela uma falta de confiança por parte dos executivos do estúdio no material que tinham em mãos. Do contrário, certamente teriam antecipado a estréia da fita para o segundo semestre de 2005, quem sabe até com vistas ao Oscar do ano passado. Para nós aqui do Brasil, passados mais de seis meses de sua estréia americana, só nos resta concordar com os executivos: o filme é tão insosso – anêmico, talvez seria a palavra mais apropriada – que o lançamento em janeiro não se deu por acaso. Ao menos, evitou que o filme batesse de frente com produções mais badaladas, algumas delas favoritas nas indicações ao Oscar.

O início de Tristão e Isolda é uma mistura de Coração Valente com Gangues de Nova York. O jovem Tristão logo se vê órfão de pai e mãe, torna-se hábil com algum tipo de arma, e jura vingança ao assassinos de seus progenitores. O filme se sustenta razoavelmente bem na sua primeira meia-hora. É quando se estabelece o conflito ente os irlandeses e os ingleses, estes últimos divididos entre suas próprias tribos e, por isso mesmo, sem força para lutar contra o inimigo. O roteiro faz questão de ser didático ao situar geograficamente a luta, com mapas e letreiros. O espectador passa a saber onde está pisando, sente-se mais ambientado à trama e apto a nela se envolver.

A característica dos protagonistas também é definida nesses primeiros 30 minutos. Numa brincadeira com amigos, Tristão, ainda criança, já revela suas habilidades no manuseio com a espada. O Rei Marke mostra-se um nobre estadista, verdadeiramente preocupado com o futuro da Inglaterra e apaixonado por Isolda, com quem se casará ao longo do filme. Por sua vez, Isolda é uma jovem que não se contenta com a limitação imposta por sua condição de filha do Rei da Irlanda. Mulher independente, deseja conhecer outras terras, viver por suas próprias decisões.

Ironicamente, os problemas do filme começam quando o conflito começa a se criar. Jogado ao mar, o corpo de Tristão vai parar justamente em terras irlandesas. Desmaiado, sozinho na praia, ele não é encontrado pelos soldados irlandeses que, a todo instante, vigiavam suas fronteiras, mas exatamente por Isolda. Apesar de ter sido dado como morto por diversos dos soldados bretãos, Isolda percebe que Tristão está vivo na primeira análise que faz no rapaz. Sua cura, então, se dá por estranhas ervas medicinais, das quais nunca se explica a origem. E as tais ervas são tão eficientes, que a recuperação de Tristão é quase que instantânea (afinal, se o problema de Tristão não era tão grave assim, porque seus colegas ingleses nem ao menos tentaram levá-lo de volta para tentar a mesma coisa?).

Pior que isso é o desenvolvimento do romance entre o par principal. Justamente por causa da rapidez da recuperação de Tristão, soa apressada demais a paixão entre os protagonistas. O roteiro ainda está construindo a aproximação do casal, fazendo que nós nos interessemos e torçamos por aquele amor, quando de repente os dois já estão se beijando e fazendo sexo à meia-luz. Para quem recebera o atestado de óbito dos colegas, é de se espantar a melhora de saúde de Tristão em tão pouco tempo.

Fica a impressão de que o filme sofreu cortes na sala de montagem, de forma a não alongar muito o papo entre o dois e partir direto para o romance. A estratégia pode até ter tido como objetivo atrair a atenção do público (especificamente o juvenil e o feminino), mais interessado no aspecto romântico da trama do que no político. Entretanto, esta pressa compromete a segunda metade do filme, já que toda ela é baseada na atração de um casal com o qual não nos identificamos, um amor vazio, frágil demais para colocar em risco todo um reinado.

Outra falha do filme é a seqüência da competição dos guerreiros, promovida pelos irlandeses com a finalidade de atrair os bretãos até seu território. Os irlandeses tinham aparato militar suficiente para invadir a Inglaterra na hora que  bem entendessem, sem precisar desta espécie de gincana. Além do mais, não havia porque estabelecer como prêmio a mão da própria filha do Rei da Irlanda. Por último, mesmo os duelos de espada entre os contendores são mal filmados. Em resumo, toda a seqüência se mostra gratuita e comercial, solução demasiadamente fácil para que Isolda seja obrigada a casar com o Rei Marke, potencializando o conflito entre os protagonistas.

Tristão e Isolda se assume como uma história de amor. Como em qualquer filme deste tipo, é preciso que uma premissa básica funcione: química entre o casal central. E, neste quesito, Tristão e Isolda também se equivoca por completo. Neste caso, a culpa dever ser creditada toda a James Franco. Desde o início de sua carreira, o ator já demonstrara sua canastrice, especialmente no telefilme sobre a vida de James Dean (pelo qual incrivelmente chegou a ganhar um Globo de Ouro). Mais recentemente, nos dois Homem-Aranha, de Sam Raimi, Franco está péssimo como o melhor amigo do herói. Tristão e Isolda apenas confirma sua falta de talento e de carisma. Além de construído de forma apressada, o romance soa falso pela expressão infantil e quase sempre aos prantos de James Franco.

O restante do elenco, por outro lado, está bem. Sophia Myles, no papel de Isolda, radia luz própria e faz com que torçamos pelo seu destino. Rufus Sewell tem a primeira chance de interpretar um personagem do bem. Longe do estigma de vilão, Sewell sai-se extremamente bem, tanto nos momentos que lidera a Inglaterra na luta contra a Irlanda, quanto naqueles mais íntimos, em que tenta cativar Isolda. Quando Myles e Sewell estão em cena, Tristão e Isolda vive seus melhores momentos.

Tristão e Isolda erra até mesmo no seu tagline, que faz alusão à clássica história de Romeu e Julieta e ao amor proibido. Mais que o romance de Shakespeare, o filme se aproxima muito mais do triângulo amoroso entre Lancelot, Guenevere e Arthur. A aproximação mostra ainda mais as fragilidades do filme, já que a tensão entre Tristão, Isolda e Merke não possui nada da força da lenda da Távola Redonda.

No fim das contas, Tristão e Isolda parece tipicamente um filme remontado antes do lançamento nas salas de cinema, com vistas ao público mais juvenil. As cenas de sexo são pudicas, filmadas à luz de velas, aparentemente com a intenção de pouco ou nada mostrar. A violência das seqüências de luta sequer se aproximam da crueza e realidade das batalhas de Coração Valente e Gladiador. Além da montagem rápida, que nos impede de entender os detalhes dos duelos, há uma preocupação extrema em não ser explícito, de evitar o sangue na tela. Os aspectos políticos da trama também acabam sendo comprometidos por estas interferências, que poderiam ser muito mais explorados.

Apesar de muito bem recebido pela crítica americana, Tristão e Isolda me pareceu um filme sem alma e com o qual não me envolvi em nenhum momento da projeção.

No resumo da ópera, Tristão e Isolda é um típico filme desnecessário.

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