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Críticas

Cineplayers

Junção honesta entre dois temas banalizados no cinema.

7,0
Duas “espécies” de filmes se tornaram muito banalizadas com o passar dos anos: os filmes de cachorro e as histórias sobre câncer. Geralmente vítimas de uma novelização extrema ou de uma forçação dramática barata que consiste em arrancar lágrimas do público nem que pra isso a trilha sonora precise ser sentida no último volume, tais temas começaram a afastar e causar certo receio diante do desgaste formulação básica que tais temas ganharam ao longo dos anos. Para citar exemplos, temos o abusivo Sempre ao Seu Lado e o pedante (sim, ele mesmo), A Culpa é das Estrelas, ou Um Amor para Recordar, se você preferir. Obviamente que exceções existiram (os bonitos Marley & Eu e o recente Já Estou Com Saudades), mas é fato que a fama de tais filmes que abordam essa temática ganhou certa negatividade já há um bom tempo.

É aí que o cinema argentino, atualmente em sua fase mais importante e segura em meio ao mercado cinematográfico, resolve unir os dois temas de uma única vez e tem como principal nome do elenco Ricardo Darín, astro do cinema argentino atualmente. O resultado é Truman, o grande vencedor do Goya do ano passado (é o equivalente ao Oscar da Argentina, tendo levado cinco estatuetas) e que embarca aqui no Brasil sem grandes holofotes, talvez por seu trailer passar uma percepção errada do que é a obra em si, uma experiência que reaproveita a grande maioria dos clichês de uma história de redenção motivada por alguma doença, mas que confere a essa estrutura inicialmente previsível uma aura de melancolia e iminência realmente verdadeira e honesta, duas características em ausência nos filmes atuais sobre tal.

Darín interpreta Julían, que recebe sem mais nem menos a visita do amigo Tomás (Javier Cámara) quando este recebe a notícia de que Julían decidiu interromper sua luta diária contra seu câncer, restando-lhe alguns meses de vida somente. Tendo essa decisão em mente, Julían se vê na necessidade de encontrar um lar adequando para seu cachorro Truman, e em meio a isto tudo, os dois amigos irão viver diversos momentos ora alegres, ora tristes, ora redentores.

A jornada de Julían e Tomás não é de grandes surpresas ou contornos imprevisíveis. De fato, o roteiro de Truman (escrito pelo diretor da obra, Cesc Gay, ao lado de Tomàs Aragay) é absolutamente redondo, de elementos básicos como o melhor amigo que, há anos distante, agora retorna como apoio emocional do personagem doente, os problemas familiares de Julían, a viagem em algum momento para resolver tais conflitos, etc. O filme abraça estes clichês para contar sua história através de um viés simplista e isento de riscos, e isso poderia ter sido seu grande problema se Gay não tivesse um olhar tão terno, verdadeiro e isento de qualquer tentativa de vitimismo em cima dos dois personagens. Truman pode acabar sendo confundido com um filme cru ou distante, já que não há grandes embelezamentos técnicos ou visuais (apesar de várias locações encantadoras), mas sim uma câmera que acompanha os rostos na tela conforme estes vão caminhando, interagindo e amadurecendo, conferindo a Truman uma autenticidade que este ganha por si só. Vamos nos envolvendo aos poucos com Julían e Tomás, nos importamos com seus destinos, com sua inegável amizade, e nos perguntamos como será quando a decisão de Julían finalmente atingir esta amizade com seu desfecho. Truman é verossímil em contar sua história, o que torna difícil que nossos olhos não se encham de lágrimas em, ao menos, um momento da projeção.

Sobre o personagem-título, o cachorro Truman, é curioso que o foco passe bem longe de ser a relação entre o animal e seu dono, mas que o cachorro ganhe uma representatividade simbólica na vida de Julían e das pessoas ao seu redor. Afastado de família e amigos, Julían vê em Truman a junção de tudo aquilo que perdeu ao longo de sua reclusão. Julían enxerga em Truman seus amigos, sua família, a continuidade de sua vida que poderá ainda existir no futuro do cachorro, que levará consigo o amor e as lembranças com Julían. Ao deixar tais pensamentos nas entrelinhas, Truman também valoriza a inteligência do público ao permitir que tais sentimentos tão pessoais fluam da tela através de diálogos cotidianos, quase banais até, mas que exemplificam a importância do cachorro-título, mesmo que haja diversos outros focos.

Com atuações seguras e uma sintonia contagiante entre Darín e Cámara em cena, o que certamente contribui muito para que Truman alcance seus objetivos, o filme certamente, e infelizmente, deverá passar em branco pelas telas daqui, apesar do sucesso em sua terra natal. Não há grandes arroubos ou originalidade em meio a tudo, mas Truman é um filme que tem sentimento, o que por si só, já lhe faz valer a conferida.

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