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Críticas

Cineplayers

Megalomania disfarçada de inteligência.

5,5
Que o final de Truque de Mestre 2 (Now You See Me 2, 2016) seja enfadonhamente previsível, se penso bem, não vem ao caso, ou pelo menos não especificamente nos termos de que quase tudo dele derrapa de forma gritante, e que a forma de seu encerramento é apenas mais um dos deslizes no amontoado de clichês, fórmulas e saídas narrativas previsíveis e toscas. Na verdade, acredito que o que mais pode indignar qualquer espectador, aqui, é exatamente a relação que um filme que trata de espetáculos e truques, ironicamente, trava com quem o assiste. Não é, afinal, curioso que um discurso fílmico que apela de forma ininterrupta à figura do mágico como artista fingidor termine nas vias do didatismo? Mas há quem diga que não, que revelar (todos) os truques foi necessário, que não tivessem os roteiristas assim decidido, tudo ia assumir os ares da maior picaretagem, da história que apelaria histericamente ao mágico como depositário dos mais absurdos feitos, justificando, por exemplo, que um dos maiores atos do filme se sustente na incredibilíssima habilidade de um dos mágicos do grupo ''Cavaleiros'' conseguir, de um segundo ao outro, com uma batidinha mais que certeira no ouvido e entoação mais que precisa de palavras, render um homem – e o ato se repetirá diversas vezes – a um estado de total hipnose, induzindo-o a revelar a conspiração bilionária de controle da população (mundial? Americana?) através de dispositivos eletrônicos. Assumindo a redundância, admito: Jon Chu é o rei da megalomania excessiva.

Mas o que Chu talvez não saiba é que Orson Welles, exatos 43 anos antes de seu desastre disfarçado de dinamismo inteligente, lançaria a obra absoluta sobre não só a farsa, o engodo e seu estatuto de paradoxal verdade, como também englobaria a mais radical das consequências humanas sobre o tema: a própria arte cinematográfica. Bastam os 10 minutos iniciais de Verdades e Mentiras (F For Fake, 1973) para colocar todo o filme de Chu num patamar de tentativa infantil e delirante, para fazer com que os personagens de Truque de Mestre, que na verdade se assemelham quase a bruxos ou X-Men, engulam o próprio discurso primário de mágicos como artífices da percepção e vomitem uma sucessão de contrassensos e desafios de lógica. Ora, não seria ainda mais irônico que um filme que assim se institua, literalmente reafirmando o próprio rótulo através de seus personagens-tese e de uma abertura com ares de mistério e titulação a ser comprovada, tenha escalado para si atores medianos para papéis medíocres? Eisenberg, Radcliffe, Ruffalo e Caplan operam na medida em que atingem a cota de superficialidade sagaz e cômica do cinema hollywoodiano atual, mas clara e simplesmente encaixam-se de maneira adequada aos níveis de vendagem necessários ao filme. Eis o cinema, sempre atravessado por aquilo que está além dele.

Todo o resto é pura fórmula: inserts engraçados e ilustrativos, unidos a uma trilha pop, narração explicativa e slow motions picotados - afinal, que mundo maravilhoso, este em que o espectador precisa de semi-videoclipes para digerir e denotar uma informação que podia muito ser mostrada na própria duração. O curioso para este Truque de Mestre é que a megalomania realmente assume o risco de desejar crescer mais e mais. Os plot twists, os truques por cima de truques, as coreografias para os atos são todas inflamadas de uma agilidade que, por mais que nunca se sustente por elemento algum, tem seu fôlego e acaba por entreter, mesmo que se restrinja a tão somente fazê-lo. O problema aqui é que os cordões nervosos de todo o sistema de farsas prescindem desesperadamente da montagem, e esta foi contaminada por uma síndrome que o cinema, para lá dos seus 100 anos de história, não comporta mais. Essa tentativa de anestesiar pelo dinamismo, pela quantidade de informações para as quais o espectador não consegue sequer fazer sentido da continuidade temporal, lógica ou espacial, esse modus operandi de todo o sistema de espetáculos que aposta no hiper-estímulo e no olho pelo que ele possui de falho – não consegue abraçar tudo, e também por isso, aliás, o cinema existe -; enfim, não há concebível justificativa para alicerçar: 1) toda a picaretagem, 2) como ela se dá a ver. 

É que dificilmente se pode apostar na inocência de quem concebeu a história (pobre autoria, ainda mais borrada num sistema industrial) naquilo que ela tem de tão próxima ao cinema ele mesmo. Para um ofício que lida constante e fantasmaticamente com o desvelar e esconder da sua própria trucagem, um filme sobre mágicos em hipótese alguma poderia ter obliterado sua condição inicial, o germe da ontologia da sétima arte. Porque o cinema nasceu como atração de feira no seio da sociedade do espetáculo, porque sua existência inicial estava atrelada a um magnetismo da imagem, lado a lado com lanternas mágicas, atrações de vaudeville e dispositivos de ilusão ótica, ele já estaria indissociável de um aprendizado primordial: era preciso simular a verdade através da mentira, fazer a crença coexistir com a desconfiança, a suspeita com a fé. Como um bebê cujo primeiro sopro, apesar da extensa gestação, o coloca em contato constante com a ameaça externa, assim se encontram os filmes: sempre diante da própria história que os desenvolveu, e, até o momento da existência final, quando finalmente existe alguém para vê-los, sempre afetados pelo repertório, pela própria história desse desenvolvimento. Este é o maior erro do segundo Truque de Mestre: desconhecer a História.

Comentários (6)

Felipe Ishac | segunda-feira, 13 de Junho de 2016 - 18:27

eu sai, literalmente, envergonhado do cinema.

entrou pra lista das piores coisas que eu já ví na minha vida, conseguiu superar A garota dinamarquesa na ruindade rsrsrs.

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