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Críticas

Cineplayers

Leões e cordeiros.

8,0

Cartazes com rostos em destaque, outdoors, estratégias de campanha e muitas promessas: eis a realidade vivida pelos EUA durante uma eleição presidencial, quando os cidadãos se dividem em grupos diferentes para apoiar aquele(a) que consideram mais apto(a) a administrar seu país por todo um mandato. Este é o painel apresentado por George Clooney em Tudo Pelo Poder (The Ides of March, 2011), que direciona sua atenção aos bastidores do período eleitoral americano, mais propriamente àqueles homens que estão por trás de cada discurso enunciado por um respectivo candidato. Stephen Meyers é um desses indivíduos, mas com a diferença de que ele acredita não somente na vitória de seu pré-postulante à presidência nas urnas, como também, e principalmente, na diferença que este trará a nação.
 
É sobre isso que o quarto filme dirigido por Clooney trata: da ideologia; da forma como esta se alimenta e eventualmente se estilhaça. Isso é traduzido através da metamorfose a qual o personagem interpretado por Ryan Gosling é submetido. Inicialmente, seus olhos esperançosos e um sorriso sutil transparecem a cada vez que Mike Morris, vivido pelo diretor, prometia uma nova realidade àquele país. Mais tarde, porém, estará imerso no próprio desgosto quando alguns segredos deste vêm à tona. Cria-se então um paralelo entre Meyers e um cidadão americano comum, que, encantado pela imagem de um amanhã melhor, deposita no voto toda sua confiança naquele que lhe convenceu a acreditar nesse ideal. O problema é que muitas vezes todos esses sonhos nutridos pelas juras de um político não passam de uma miragem, e a desilusão provém de uma verdade incapaz de ser mudada: na condição de humanos, todos eles estão fadados ao erro.
 
Assim, o filme funciona como um relato pessoal de um americano desapontado com os rumos dados pela liderança política atual de seu país. Talvez essa seja a razão pela qual Clooney se interessou em comandar tal produção, por ela conseguir exprimir toda sua frustração enquanto cidadão estadunidense. E a força de Tudo Pelo Poder reside justamente na identificação, isso porque, mesmo concentrado totalmente no cenário político, sentimos naquelas figuras (no protagonista, em especial) um pouco de nós próprios. Mike Morris define para Stephen aquele modelo de homem exemplar, pai de família, dono de ideias liberais e promessas de campanha que, talentosamente, apresenta a seus eleitores através de um dom oratório invejável. Ele é a atual aposta de ser o mais novo “homem mais poderoso do mundo” (designação frequentemente dada aos presidentes dos Estados Unidos devido à condição do país como superpotência mundial), por conquistar as massas rapidamente e fazê-las crer na prosperidade.
 
Inspirado nitidamente em Barack Obama, Morris não somente concretiza a ideia da pessoa essencial para administrar a nação, mas também reflete o outro e mais importante lado da moeda: as falhas no painel político. Este é o ângulo principal que a câmera de Clooney captura, tratando o universo eleitoral como um campo minado, onde um passo em falso pode acarretar a destruição. Stephen, mesmo não se julgando um ingênuo, caminha nesse terreno de olhos vendados por sua esperança, que, impiedosamente, sofre um gradual processo de desmoronamento; e a metamorfose supracitada não concerne apenas ao seu idealismo inicial, mas também a degradação moral a qual o jovem se entrega ao perceber que está cercado por feras (Gosling, por sua vez, confere a seu papel uma veracidade e profundidade notável). E a medida que as lentes filtram esses acontecimentos, é destilada uma visão pessimista quanto à política propriamente dita, realçando sua notória habilidade em sujar os escrúpulos de qualquer indivíduo.
 
É curioso observar o jovem assessor de imprensa caindo nas próprias regras que estabeleceu para aquele universo (numa cena em que conversa com a personagem de Evan Rachel Wood e esclarece a ela que, naquela situação, quando se comete um erro, perde-se a chance de jogar), desviando-se dos próprios paradigmas por consequência de uma imagem que fora destruída. Ou seja, Clooney propõe não a evolução, mas a desconstrução de seu protagonista, fazendo-o adaptar-se àquela realidade imunda da mesma forma que os demais se ajustaram: trapaceando. E como é esclarecida pela própria mensagem do filme, a ambição em sobressair-se naquele mundo faz com que o personagem encontre a glória e a ruína, pois numa mescla de pretensão e ingenuidade, ele se torna alvo fácil - então, para se reerguer de novo, e eventualmente ir à procura de mais poder, ele sacrifica os poucos fragmentos de esperança que haviam lhe restado. É desse modo que se desenvolve o jogo político aos olhos de Clooney: moralmente transgredido, impiedoso, destruidor, e, acima de tudo, sem vencedores.

Comentários (2)

Fabio Luis Martins Rafo | domingo, 25 de Dezembro de 2011 - 22:51

Ótima critica! parabéns. espero muito deste filme, George Clooney está se mostrando um diretor competente, que sabe escolher seus trabalhos. adoro Boa Noite e Boa Sorte.

REJANE MADALENA LUTHEMAIER | terça-feira, 27 de Dezembro de 2011 - 22:11

Boa crítica. O filme realmente se apresenta sem vencedores. Perfeitamente político.

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