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Críticas

Cineplayers

Coisas que perdemos pelo caminho.

7,0
Marlo (Charlize Theron) é casada, tem dois filhos e está na espera de um terceiro, abandonou a carreira para cuidar da família e está chegando à casa dos 40 cheia de frustrações e sem um pingo de energia. Seu sonho é poder ser uma mãe mais ativa, recuperar a vaidade da juventude, reascender o fogo do casamento, ter tempo para se cuidar sem colocar em risco a atenção dedicada aos filhos. Em resumo, Marlo é uma mulher moderna e lotada dos problemas mais comuns, e está aí o interesse do diretor Jason Reitman e da roteirista Diablo Cody em Tully (idem, 2018): a frustração e o desinteresse que a maturidade pode trazer. 

Terceira parceria do diretor com a roteirista, e a segunda inclusão da atriz Charlize Theron no combo, Tully é uma continuidade ao que a dupla iniciou em Juno (idem, 2007) e prosseguiu com Jovens Adultos (Young Adult, 2011), na retratação da mulher americana comum em diferentes fases da vida. Sempre excessivamente conscientes de suas condições e limitações, as personagens de Cody carregam certo cinismo e muita ironia na forma de encarar os inesperados reveses da vida. Reitman contribui com sua abordagem sempre muito característica sobre essa geração quarentona ainda procurando adequação em uma fase em que já se esperava estabilidade e segurança. 

Essas personagens confrontam a ideia equivocada vendida pelo sonho americano sobre o que se esperar em cada etapa da vida. Juno não tem a adolescência mágica de um filme de John Hughes e acabou amadurecendo muito precocemente, enquanto Mavis (Theron em Jovens Adultos) é uma trintona que não tem um pingo de maturidade. Já Marlo, embora madura o suficiente, não consegue acompanhar as expectativas que recaem sobre ela e sua suposta vida ideal de casa, filhos e marido. Mais do que isso, Marlo entrou num processo tão desgastante causado pela maternidade e o casamento, que em algum ponto do caminho acabou se perdendo e hoje mal se reconhece quando se olha no espelho. Quando ganha de presente de seu irmão bem-sucedido a contratação de uma babá noturna chamada Tully (Mackenzie Davis), ela de repente se vê encantada com a jovialidade, independência e liberdade da moça que cuida de seus filhos, formando um vinculo com ela, pelo qual procura retomar as características suas que foram se perdendo pelo caminho e que se refletem de alguma forma na sua nova amiga.

Diferente de Juno e de Mavis, Diablo Cody oferece a Marlo uma humanidade e uma tridimensionalidade muito mais realista. Embora tão sarcástica quanto as outras duas personagens, ela também é mais sensível e o tom do filme acaba menos autoindulgente e afogado em piadinhas espertinhas e de timing calculado em excesso. Há aqui espaço para espontaneidade, para autoanálise, para atenção a temas sem a superficial abordagem excessivamente cínica e crítica. Em Tully, a maternidade é analisada tanto pelo seu lado prático, desgastante, estressante, infernal, quanto pelo seu lado espiritual, emocional e de completude. A Marlo-mãe é aos poucos descamada até se chegar à Marlo-mulher e dessa forma o filme estabelece um paralelo entre o que cresceu nela e o que se perdeu pelo caminho. Em contraste, o personagem do pai permanece em uma rotina de solteiro, ajudando em uma coisa ou outra com os filhos, mas sem abrir mão de seu videogame, seus compromissos de trabalho e seus sonhos particulares. Sem demonizá-lo, Reitman e Cody simplesmente expõem os diferentes pesos que a chegada de filhos traz sobre o homem e a mulher em uma relação.  

Cody procura colocar no meio um plot twist que ressignifica toda a obra, mas isso acaba como uma armadilha que leva o filme a uma conclusão mais superficial e moralista, e perdeu-se a chance de concluir tudo com a cara e a coragem que Charlize Theron depositou em sua performance. A atriz inclusive engordou 22 quilos para viver Marlo e isso lhe custou uma forte depressão, mas pode ser que todo o processo a tenha ajudado a compor uma personagem esgotada, exausta e livre de qualquer vaidade. Reitman e Cody têm ao longo da última década acompanhado essa geração que de certa forma aprendeu tudo muito rápido, mas ao mesmo tempo não soube crescer. E aos que crescem e amadurecem e encaram essa tal de vida adulta tão temida e ao mesmo tempo tão esperada, sobra a sensação melancólica de olhar para trás e descobrir que parte da disposição, do otimismo e dos sonhos acabou ficando em algum ponto do caminho. 

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