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Críticas

Cineplayers

Novo fôlego na velha e boa bagunça de sempre.

8,5
A geração do final dos anos 60 de Hollywood mudou o panorama do cinema americano de vez. O público, cansado dos velhos filmes e já renovado com os jovens adultos com novas mentalidades que então decidiam o que queriam assistir, se surpreendeu com a forma autoral de filmar e a derrubada de tabus na abordagem nos temas. 

Muito inspirados pela Nouvelle Vague francesa, esses novos cineastas também carregavam consigo a influência de autores da antiga Hollywood que, dentro do repressivo código de moral e dentro do panorama industrial, conseguiam expressar suas visões particulares de cinema e de mundo, subsequentes de outros países com sua estética expressiva, alcançada com as próprias ferramentas do cinema. Se relacionam entre esses diretores nomes como Alfred Hitchcock, John Ford, Douglas Sirk e Ernest Lubitsch, alvo de admiração de Peter Bogdanovich, diretor de Um Amor a Cada Esquina.

A carreira do diretor é frequentemente permeada por obras que abordavam sobre a dramaturgia e o cinema em si - está em Na Mira da Morte, no ambiência e no título de A Última Sessão de Cinema, é o pano de fundo de Impróprio Para Menores em sua narrativa de acidentes, e foi a gênese de Essa Pequena é uma Parada, onde Bogdanovich fez uma screwball comedy em pleno 1972, homenageando as comédias que, em sua infância e adolescência, eram os responsáveis por mostrar para as grandes massas temas populares como a tensão sexual da vida conjugal e as diferenças entre classes sociais. Essa fascinação pelo poder do cinema como grande atração e influência na vida das pessoas está espalhado mais uma vez por seu novo longa, essencialmente uma screwball da nossa era, a rendição absoluta do diretor pelo potencial catártico e transformador do gênero e seus efeitos pretendidos.

Novamente, temos a tensão conjugal presente: a estrela Isabella Patterson narra em entrevista a sua escalada para a fama descrevendo o período da sua vida onde deixou de ser garota de programa e iniciou sua carreira como atriz de teatro, ajudada pelo cliente Arnold Albertson, que lhe oferta uma boa quantia em dinheiro para deixar a vida de acompanhante. A confusão que dá o mote do filme é que Arnold é um famoso diretor de teatro que faz testes de elenco para a protagonista de sua nova peça. É claro que, com a experiência, Isabella impressiona no teste e após certa pressão, entra para o elenco da peça.

A tensão sexual e a infidelidade conjugal são a mola mestre para todas as set-pieces de desencontro, que envolvem, entre outros personagens, o dramaturgo tímido e sua esposa, uma terapeuta estressada; a atriz veterana, esposa do diretor e o famoso ator da companhia, apaixonado pela mesma; e um advogado idoso e seu detetive particular, que perseguem Isabella onde quer que ela vá. Todos peças importantes dentro do labirinto rítmico arquitetado por Bogdanovich, que tenta diferentes combinações a cada ato visando, utilizando o subterfúgio do jogo de máscaras da classe alta, tão liberal quanto conservadora, incapaz de admitir seus próprios desejos e tentando manter erguido um frágil véu de costumes, que a protagonista vinda da classe média-baixa trabalhadora irá confundir os paradigmas.

Esse labirinto é um percurso acidentado, onde casais são formados e separados, onde informação e desinformação oferecidos criam situações de tensão que surgem e se resolvem em velocidade vertiginosa para logo em seguida dar lugar à outra, deixando os personagens cada vez mais em “panos quentes” e embaraçados frente a outras figuras de julgamento, posição de alternância para que cada personagem possa ter seu particular momento de transformação.

Profundamente relacionado a uma tradição americana que ainda sobrevive em filmes, novelas e séries de televisão em formatos mais diluídos ou adaptados, Bogdanovich tem consciência dos novos tempos, sem desprezar os velhos: o filme traz ícones recentes da comédia, como Owen Wilson, Will Forte e Jeniffer Aniston, e veteranos como Austin Pendleton e George Morfogen, ambos colaboradores de Bogdanovich em Essa Pequena é uma Parada que voltam para fazer tipos cômicos em 2014.

A revolução não apenas cultural mas também de ícones foi acompanhada de perto pelo próprio Bogdanovich em um filme que traz inúmeras pontas especiais e surpreendentes, costurando no final, quando sobem os créditos, um verdadeiro compêndio de como fazer humor, aliando o escândalo sutil de Lubistch com o escancaramento histriônico das sitcoms, um filme autoconsciente do seu lugar no tempo, com a figura por trás respeitosa aos antecessores e generosa com os herdeiros.

Em síntese, uma declaração de amor ao riso e à sua poderosa catarse: a bagunça revolucionária que nunca perde o fôlego em sacudir as estruturas do convencionalismo.

Comentários (1)

Josiel Oliveira | sábado, 27 de Fevereiro de 2016 - 13:52

Filmaço! Pra mim sua maior virtude é justamente essa, tornar fluido e refletir sobre esse diálogo entre o passado e o contemporâneo. Coisa de gênio!
Tão contemporâneo que trata até daquela que talvez seja a temática mais relevante dos nossos tempos: o feminismo, e com um belíssimo posicionamento ao olhar para o passado (coisa que falt para o pensamento feminista na minha opinião.). Como na cena em que o dramaturgo explica para Izzy sobre a separação entre religião e sexualidade.. ou na cena em que Izzy diz "eu acredito no rosa, acredito na beleza feminina", entre outras..
E além de tudo, ri muito!
Esse filme definitivamente merecia uma atenção MUITO maior do que recebeu.. inclusive por parte do público cinéfilo!! (até essa puta crítica legal do Brum não rendeu nenhum comentário por aqui... triste!)

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