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Críticas

Cineplayers

A tragédia da vida sob ironia argentina.

7,0

Dos filmes mais “família”, feito Clube da Lua (Luna de Avellaneda, 2004) e este Um Conto Chinês (Un Cuento Chino, 2011), aos projetos estéticos mais radicais, como Abutres (Carancho, 2010) ou O Pântano (La Ciénaga, 2001), não é novidade para ninguém que o cinema argentino alcançou seu auge dentro da história do panorama mundial. Junto ao cinema sul-coreano, há de se dizer que há um bom tempo tantas produções de boa qualidade não saíam do mesmo lugar (para ser mais preciso, desde a década de noventa, quando o Irã tomava conta de praticamente tudo no mundo da película).

Um Conto Chinês, mesmo não sendo perfeito ou excelente, mostra ser uma obra boa o suficiente não só para confirmar essa tendência como também para tentar atrair um público maior – uma vez que, sendo um filme latino, ainda tenta concorrer com os cães bravos norte-americanos que dominam os multiplexes de shopping. Estão certos em aproveitar; após a vitória de O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos, 2009) no Oscar em 2010, a Argentina está na crista da onda. Se o hype for aproveitado, pode-se dizer que uma grande potência produtiva do cinema está mais próxima de tornar-se uma realidade.

Sebastián Borensztein dirige uma comédia acessível, mas que nem por isso abre mão da sensibilidade. O tema, interesse de muitos cineastas, é a questão da fronteira, das diferenças culturais, dos idiomas e de tudo mais que pode separar os seres humanos em busca do seu ideal de felicidade. Relatando a história da amizade entre o rabugento e solitário comerciante Roberto (mais uma ótima performance tragicômica de Ricardo Darín), obsessivo em colecionar notícias bizarras de jornal por um motivo explicado no final do filme, e o imigrante chinês Jun, perdido em plena Argentina, sem saber uma palavra de castelhano e em busca por seu tio que mora por lá.

Numa história onde seus protagonistas tentam se comunicar praticamente sem sucesso o tempo inteiro, a graça não vem de sacadas geniais ou de gags visuais, mas justamente do estranhamento. Fatores como a barreira linguística entre Roberto e Jun, a vida pacata do comerciante sendo perturbada e a frustração atrás de frustração nas suas tentativas de encontrar seu familiar de Jun formam o grande atrativo dessa comédia que tem encarnada em seu protagonista a sua vocação para o inusitado.

Logo, esses dois amigos que consolidam a relação através da miséria de suas vidas vão descobrindo um ao outro. Ambos com tragédias em suas vidas, ambos perdidos no espaço, participando sem participar da tal globalização. A diferença cultural já abordada de maneira diferente nos mais variados filmes – Dersu Uzala (idem, 1975), Sangue Sobre a Neve (The Savage Innocents, 1960), Babel (idem, 2006) - aqui busca um sincretismo, uma forma de mostrar que nós – argentinos ou chineses – somos todos humanos no final das contas.

Uma pena que o lado melodramático do filme acabe sendo um verdadeiro tiro no pé no seu terço final – afinal, uma obra que caminhava tão bem ao saber rir de forma sutil da dramática situação dos seus personagens, começa a se levar a sério demais, propositadamente para fazer o espectador deixar escapar uma ou duas lágrimas.

A mudança brusca causa até estranhamento – e o que poderia ser um brilhante buddy movie tornado possível mesmo num mundo tão fragmentado onde só compartilhamos marcas, estilos de vida e caras conhecidas, mas raramente pessoas – acaba não passando muito além de um filme simpático e carismático que apela para o formulaico no final, dando a impressão de que bons sentimentos e laços afetivos verdadeiros vencem tudo – até o acaso.

Longe de execrar o filme por causa disso, mas Um Conto Chinês não perderia nada se mantivesse a ironia característica do seu início, que tem muito a dizer sobre os dias de hoje, com suas pessoas tão próximas e conectadas, mas tão longe, distantes, saudosas e nostálgicas, sem saber direito como encarar o mundo de informações e acontecimentos tão selvagem ao qual têm acesso. Com esse final, resta um filme bem simpático e honesto nas suas intenções de oferecer um bom entretenimento para o espectador sempre ansioso por novas histórias, novos dramas e novas curiosidades. Um buddy movie babelizado, por assim dizer.

Comentários (6)

Danilo Itonaga | terça-feira, 22 de Novembro de 2011 - 13:50

Gostei da crítica realmente parece ser um filme bem legal.

Luciana Pereira de Souza | quarta-feira, 30 de Novembro de 2011 - 10:48

Até hoje não vi nenhum filme em que o Ricardo Darín atue e seja ruim....

MARCO ANTONIO ZANLORENSI | quarta-feira, 06 de Janeiro de 2016 - 15:36

Filme super legal, divertido, sensível e dramático na medida sem ser chato, realmente o cinema argentino esta de parabéns, escutar o "hermano" Darím soltar palavrões aos sussurros já vale o tempo, adicione a isso o fato de ver um cara rabugento que não sabe conviver nem com um pinguim de geladeira ter que dividir sua casa e seu tempo com um completo estranho que não fala uma palavra de seu idioma.

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