Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Irmãos Coen em mais um espiral de inferno astral.

5,5

Larry Gopnik quer ser um homem sério. Pai de família dedicado, que paga as contas em dia e obedece cegamente à mulher, rege seu trabalho como professor universitário da forma mais correta possível, sem dar nota a alunos menos aplicados nem mediante a suborno. Em seu lar, abriga o irmão desempregado, um senhor problemático que acredita ser injustiçado por seu deus, do qual afirma não ter recebido nada. Vive uma vidinha ordinária em um bairro da comunidade judia nos Estados Unidos, anos 60. Ou melhor, vivia; até descobrir que sua mulher quer o divórcio para se casar com seu melhor amigo, o que faz com que, repentinamente, a vida de Larry comece a desabar frente a seus olhos, sem que ele consiga compreender o porquê.

O plot indica perfeitamente: este é um filme legítimo dos Coens. Obcecados por espirais trágicos, efeitos dominós e bad trips estruturadas sobre a incoerência do absurdo, Joel e Ethan apresentam neste Um Homem Sério uma nova roupagem para o filme que vêm filmando sucessivas vezes desde os anos 80: o bom americano, confundido divertida e propositalmente com um homem de personalidade anêmica e impotência de ação, se vê face a face com a desgraça das incertezas da vida que, por uma força superior sem definição, o arrastam subitamente para uma realidade que se assemelha ao inferno na terra.

Ficar refazendo seus próprios filmes não é por si só um problema. Hawks fazia isto e, desta forma, filmou diversas obras-primas. Filmou, também, outros (poucos) filmes menos inspirados, e provavelmente esta seja a principal conseqüência da repetição – afinal, é difícil fugir de uma eventual falta de inspiração ou equívoco na escolha da temática ou problemas de humor durante as filmagens ou pretensões duvidosas etc. Um Homem Sério, apesar de ser um filme bastante fiel ao que tanto os fãs da dupla quanto seus detratores aguardam de um novo filme deles, é a vez dos irmãos caírem em armadilhas, fazendo o que, por piores que seus filmes fossem (Matadores de Velhinhas, O Amor Custa Caro), jamais haviam conseguido: atingir a impotência.

A exemplo de seu protagonista, Um Homem Sério é, desde aquele prólogo sobre maldições em épocas medievais, um filme desinteressante e inodoro, calcado sob esta fórmula quase matemática do cinema dos Coen que, por sua vez, esconde o vazio e raros momentos de desenvoltura - contentando-se em preencher o filme com referências bobinhas como maldições herdadas por gerações que passam a atuar subitamente e o vazio da religiosidade (nada relacionado com a fé, e sim com a crença em conceitos religiosos construídos pelo próprio homem, sacaneados pela dupla na busca de Larry por respostas na religião). Excetuando a atmosfera horrorífica impregnada no ar, derivada do talento dos irmãos para o humor negro e que transforma a realidade do homem em uma espécie de pesadelo insolucionável, o filme se apoia em técnicas fáceis demais, especialmente narrativas (o sonho sobre sonho da segunda metade já se tornou um embuste clássico), que geram reações imediatas mas que, a fundo, pouco têm a acrescentar à ideia de filme dos irmãos.

A aposta excessiva nos sonho acaba funcionando também como sabotagem diante daquilo que poderia conferir alguma força ao filme. O inferno astral do protagonista está agindo, tudo que o coitado possui vai progressivamente chegando próximo ao ralo, e o pesadelo da vida real, o mais terrível dos pesadelos, aquele do qual não escapamos, é deixado de lado para dar lugar a uma série de inserções oníricas que nem mesmo bons momentos de comicidade oferecem – e isto, sinceramente, nada tem a ver com sutileza, mas com inexpressividade. Com o emblemático (e de gosto bem duvidoso) plano final, depois de mais idas do que vindas, os Coen retornam à realidade e reiteram sua mensagem: a vida, como afirma um dos personagens cruzados por Larry, é realmente um mistério inexplicável, seja pela ciência ou pela religião. A solução é nos rendermos a ele. Bacana, mas isso já foi posto em discussão de maneira bem mais criativa.

Comentários (0)

Faça login para comentar.