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Críticas

Cineplayers

Filme menor da Nova Zelândia, passou desapercebido pelo Brasil mas é, na realidade, uma pérola escondida.

9,0

Localizada no sudoeste do Oceano Pacífico, com clima temperado e belas paisagens, a  Nova Zelândia para sempre será lembrada pelos amantes do cinema como o território que abriga os cenários naturais registrados em filmes bem sucedido, como é o caso de O Piano (1993), O Último Samurai (2003), King  Kong (2005), As Crônicas de Nárnia (2005) e, principalmente, a trilogia O Senhor dos Anéis (2001, 2002, 2003). Entre as produções pouco conhecidas, merece destaque  o primeiro longa metragem do roteirista e diretor Brad MacGann, In My Father’s Den, lançado no Brasil, em fins de 2006, como Um Refúgio no Passado.

Neozelandês, nascido em Auckland, em 1964, MacGann estudou na Universidade de Otago e na Swinburne Film and Television School, em Melbourne, Austrália. Após trabalhar como escritor e diretor de programas para televisão, em 1996, realizou para o produtor Trevor Haysom o curta metragem Possum, lançado em 1997. A satisfação com os resultados desse pequeno trabalho fez com que Haysom deixasse a cargo de MacGann a criação do roteiro de In My Father’s Den, desenvolvido com base no livro homônimo do escritor  Maurice Gee. 

Enquanto Gee ambientou sua história no ano de 1969, MacGann optou por adaptá-la à contemporânea cidade de Otago, erguida em meio à paisagens montanhosas, vastas e espetaculares. É o cenário perfeito para a história de  Paul Prior (Mathew Macfadyen de Orgulho e Preconceito), um fotógrafo, jornalista e correspondente de guerra que após receber a notícia da morte de seu pai deixa a Europa em direção à sua cidade natal, abandonada por ele há 17 anos. Paul tem um irmão, Andrew (Colin Moy), que permanece ressentido, não o perdoando por tê-lo deixado sozinho com o pai que desprezava, logo após o suicídio da mãe. Mesmo casado com Penny (Miranda Otto de Senhor dos Anéis) e sendo pai de um adolescente Jonathan (Jimmy Keen), Andrew não supera os traumas do passado.

Decidindo-se por ficar na cidade e cuidar do espólio do pai, aos poucos Paul reencontra velhos amigos e acaba aceitando um convite para ser o novo professor da escola  onde estudara. A aproximação de Paul e Celia (Emily Barclay) -  uma adolescente de 16 anos que ele encontra e expulsa da biblioteca de seu pai (o “refúgio” do título), só para depois descobrir ser ela a filha de sua ex-namorada, Jackie (Jodie Rimmer) -, é o ponto central do roteiro que desenvolve um drama nada previsível. 

Paul é uma personalidade marcada pelas desilusões do passado e pelos horrores que presenciou por intermédio de seu trabalho. Por vezes parece duro e egoísta, mas revela-se sensível e perdido. Célia é dona de uma sensibilidade aguçada e de um talento literário embrionário que a diferenciam. Sem saber sobre a relação de Paul com seu nascimento, ela vê nele um cúmplice para seus devaneios e para a ambição por conhecer um outro mundo. Ele, a princípio tenta afastá-la, mas acaba cedendo à amizade que nasce. Quando Celia desaparece, misteriosamente, Paul torna-se o principal suspeito, é interrogado pela polícia, hostilizado pela comunidade local, pelo próprio irmão e pela mãe de Celia.  

Um Refúgio no Passado conquistou 19 prêmios internacionais e três indicações, venceu o  Toronto International Film Festival de 2004, o espanhol San Sebastian Film Festival, o British Independent Film Awards e o Festival du Film Britannique de Dinard de 2005. No Brasil passou quase desapercebido, mas é um dos meus filmes preferidos de todos os tempos. Isso não por ser uma produção milionário, de surpreendente e inovadora perfeição técnica e sim porque trata com maestria, de forma existencialista e quase lírica,  de personagens enredados por sentimentos profundos. É uma produção simples que tem na história e no roteiro perfeitos seus grandes trunfos. Fala sobre as fragilidades humanas, sobre o tempo que tece suas teias, sobre os danos irremediáveis causados pelas desilusões, sobre cicatrizes que não se fecham, sobre  a dinâmica da vida que muitas vezes se revela uma armadilha monstruosa. 

Vitimado por um câncer, Brad MacGann faleceu em maio de 2007, deixando frustrados aqueles que alimentavam expectativas por seus próximos trabalhos. Um Refúgio no Passado, seu legado único para o mundo do cinema, encanta e faz surgir um nó na garganta que só não é amargo porque é belo, tanto quanto a própria vida.  

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