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Críticas

Cineplayers

Um país que precisa descobrir sua história.

7,5

O Brasil é um país em dívida com sua história. Massacres de índios, cultura escravagista e ditadura militar são alguns dos problemas que atrasaram o país em pouco mais de 500 anos. Em linhas-gerais, esses são os temas por meio dos quais Uma História de Amor e Fúria recorda do passado, o coloca sob a perspectiva correta e tenta ensinar ao brasileiro a interpretar de forma coerente suas origens. É a maneira de entender os problemas e corrigi-los para o futuro.

A animação de Bolognesi, roteirista estreante na direção, peca pelo caráter episódico do texto que, ao percorrer mais de 500 anos em 80 minutos, não busca os motivos, não aprofunda o estudo dos personagens e da sociedade. Três segmentos do passado, um combate entre índios das etnias tupinambá e tupiniquim pouco antes do massacre português, a Balaiada no Maranhão, em 1838, que levaria aos cangaceiros posteriormente, e a luta contra a ditadura militar na década de 1960 são simplificados, mas servem para colocar a história em seu rumo.

O Brasil é um país que precisa superar as opressões do passado e, por isso, precisa corrigir distorções históricas. Por conta disso que surgiram no país o sistema de cotas para negros em universidades, maneira encontrada para corrigir imediatamente a exclusão dos negros dos centros educacionais e do mercado de trabalho, e a Lei das Domésticas, que trouxe dignidade à profissão, até então desenhada com traços ainda escravagistas. Demarcação de terras indígenas, por exemplo, é uma maneira de preservar a posse dessas áreas com os descendentes daqueles que verdadeiramente a possuíam antes da exploração estrangeira.

Os exemplos anteriores mostram como o Brasil precisa de mecanismos para aperfeiçoar as relações sociais e para corrigir problemas antigos, que mantém a sociedade desenhada como se houvesse o direito de massacrar minorias, ou os mais fracos, apenas porque nossa cultura é falha em interpretar a história do país de maneira a buscar a igualdade, e não os privilégios.

Aliás, parte do país foi às ruas recentemente protestar contra tudo: privilégios, corrupção, serviços públicos deficitários. Por mais que lá pelas tantas as manifestações tenham virado uma mistura de ideologias, o fenômeno sugere uma população cansada de ser oprimida pelo estado. É aí que está a força desta animação. Tratar de glorificar os verdadeiros heróis e colocar dúvida sobre figuras alçadas a tal posto de forma incompreensível. Nesse sentindo, o filme dialoga muito bem com protestos que nas grandes cidades têm alterado nome de ruas com figuras contestáveis por de pessoas perseguidas pelo Estado opressor, por exemplo.

Uma História de Amor e Fúria serve não apenas para reescrever com mensagem e pontos de vista claros a nossa história como ainda para, ao imaginar o futuro, nos fazer pensar no presente.

O quarto e último segmento, ambientado em 2096, é uma especulação do futuro indesejado que a não correção de rumo de um país sempre em conflitos por poder pode acarretar. É o abismo social, uns com muito e outros com pouco, a corrupção financeira e moral, as vantagens, a sensação de impotência e uma minoria criminalizada pela luta. São situações que se repetem cada qual com a particularidade de determinado momento histórico. 

A animação, guardadas às devidas proporções, dialoga com o Som ao Redor (idem, 2012) ao falar da correção de distorções históricas e ao olhar para o passado com a finalidade de construir o futuro. A animação, contudo, é extremamente limitada nesse estudo de sociedade, é mais um retrato simples da história da forma pela qual ela deveria ser conhecida. Mas é um alerta tão importante quanto o exemplar de Kléber Mendonça Filho: os brasileiros não conhecem ou ignoram suas raízes e, por isso, não entendem os motivos de tantas distorções no presente. E não entender é a base para ser explorado e também para uma mistura de bandeiras diversas e de discursos contraditórios sair às ruas de forma unida. Sem entender o passado não se sabe o rumo a ser percorrido no futuro.

Se cinema também é momento, Uma História de Amor e Fúria veio na hora certa.

Comentários (3)

Lucas do Carmo | segunda-feira, 22 de Julho de 2013 - 17:50

Não sabia da existência do filme. Elenco global demais e roteirista de As Melhores Coisas do Mundo :(

Gostei do texto.

Raphael da Silveira Leite Miguel | segunda-feira, 22 de Julho de 2013 - 18:44

Bom texto, tenho que ver esse filme. O elenco, pelo que sei, faz apenas as vozes dos personagens animados.

Paulo Matheus | segunda-feira, 22 de Julho de 2013 - 19:39

Estreou bem no início do ano e estava interessado em ver, mas não pude. Passou quase que despercebido por aqui, o que não devia acontecer, já que o Brasil possui pouca produção de animações e nem todas são boas. Bom texto do Emilio.

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