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Linda Mulher, Uma

(Pretty Woman, 1990)
7,2
Média
712 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

A estilização da miséria em um conto de fadas contemporâneo.

8,5

A figura da prostituta já teve diversas representações no cinema. Pensando rápido, vêm à mente algumas clássicas, como a neorrealista de Giulietta Masina em As Noites de Cabíria (Le Notti di Cabiria, 1957); aquelas que simbolizaram a decadência do Japão pós-guerra em Mulheres da Noite (Yoru no onnatachi, 1948); as vítimas de uma sociedade extremamente violenta em Portal da Carne (Nikutai no mon, 1964); o melodrama de uma transeunte vivida por Anna Karina em Viver a Vida (Vivre as Vie: Filmen Douze Tableaux, 1962); e a adolescente precoce de Jodie Foster em Taxi Driver (idem, 1976). Nesses universos tão fielmente trazidos à tela, temas fortes como estupro, misoginia, exploração, drogas e abandono receberam o devido enfoque. Mas em se tratando de Hollywood, tudo ganha um contorno mais romantizado, e o caso mais clássico nessa vertente é Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s, 1961), que de tão adocicado e sensível, nem parece se tratar de um filme sobre uma prostituta. Audrey Hepburn e seus figurinos assinados por Hubert Givenchy, tomando café em frente uma vitrine da glamorosa joalheria Tiffany’s, ao som de Moon River, não formam exatamente a ideia da grande maioria sobre a vida de uma prostituta, mas isso não impediu o sucesso estrondoso do filme, o que nos confirma que nesses casos o que menos importa é o realismo.

Em moldes infinitamente menores, o já clássico Uma Linda Mulher (Pretty Woman, 1990) é um meio-termo entre essa abordagem mais crua de filmes como Mulheres na Noite e a visão cor de rosa hollywoodiana de Bonequinha de Luxo. A princípio encomendado como um drama sobre uma garota de programa viciada em drogas, o longa acabou caindo nas mãos de Garry Marshall, que achou que o material renderia bem mais nas bilheterias se abordado como uma espécie de conto de fadas moderno. Trocou-se o reino distante pelas ruas luxuosas de Beverly Hills, o príncipe encanto pelo empresário milionário e insatisfeito, o castelo pela cobertura do hotel cinco estrelas, a bruxa pelo advogado pilantra e, finalmente, a gata borralheira pela prostituta que faz ponto na calçada da fama. Como nos é narrado logo no início, Hollywood é a terra onde todos os sonhos podem acontecer (uma espécie de Era uma vez...) e onde se é permitido acreditar no impossível. E é sobre isso que se trata, afinal: o impossível.

As comédias românticas por vezes conseguem ser mais irreais que qualquer outro gênero, e por isso possuem uma liberdade quase ilimitada de apostar nas histórias mais absurdas. No caso de Uma Linda Mulher não é diferente, pois incorre em praticamente todos os clichês possíveis, com a vantagem de possuir uma narrativa tão envolvente, que mal notamos as forçadas de barra do roteiro durante a projeção. Parte disso se dá pelo carisma gigantesco de Julia Roberts, e por sua química com Richard Gere. Juntos comandam tudo com muita naturalidade e sentimento, de modo que fica fácil acompanhar a relação a princípio puramente comercial dos dois ir se revelando o encontro fortuito de duas almas perdidas que, no fundo, são muito parecidas. Ao final, Edward (Gere) não quer mais saber de comprar empresas para desmembrá-las e vende-las em partes, mas sim de construir algo de significativo, enquanto Vivian (Roberts) deixa de se contentar com a grana e passa a almejar o sonho, o seu final feliz de Cinderela – não por ser uma oportunista, mas por se permitir desejar algo que está além de sua realidade nas ruas.

Claro que é tudo muito bonitinho e previsível, mas Uma Linda Mulher possui não apenas um, mas vários “quês” a mais, que o tornaram o sucesso lembrado que é até hoje. O primeiro e mais importante é a presença de Julia Roberts, em um papel que foi rejeitado por várias antes de cair em suas mãos (como Meg Ryan, Molly Ringwald e Daryl Hannah). Até então a atriz era apenas uma aposta tímida, cujo único reconhecimento tinha sido a indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante, por Flores de Aço (Steel Magnolias, 1989), mas foi só abrir seu famoso sorriso e soltar sua gargalhada natural para ser catapultada ao sucesso e se tornar a atriz comercial mais importante da década de 1990 no cinema americano. Ambiciosa, ela aproveitou a oportunidade de construir ali sua aura de estrela, o que futuramente lhe colocaria lado a lado de grandes nomes da indústria, sendo uma das poucas mulheres da época a garantir sozinha o retorno nas bilheterias.  Segundo, o filme contém uma trilha sonora marcante, que inclui as canções Oh, Pretty Woman, de Roy Orbison, e It Must Been Love, na voz de Roxette. Terceiro, pelas cenas memoráveis embaladas por estas canções, como a tarde de compras na Rodeo Drive, em que a plebeia enfim se torna princesa, e o jantar de negócios no qual Vivian sofre para lembrar-se dos talheres corretos a serem utilizados em cada prato. Contrabalanceando esses momentos estão as sequências mais ternas, que arrancam suspiros, como o primeiro beijo entre Vivian e Edward. Por último, um acolhimento carinhoso da crítica (Julia inclusive foi indicada ao Oscar de melhor atriz por sua participação) e uma mega recepção do público.

Marshall teve a noção de que seu filme era leve o suficiente para passar por temas fortes como a prostituição sem chocar ou afastar o público, e por isso não poupou na estilização da vida nas ruas, conseguindo romantizar até mesmo nos momentos em que filma os ambientes freqüentados por Vivian em sua profissão, ou quando coloca em evidência a moça revelando a Edward sobre seu triste passado. Nada ali é capaz de repugnar, somente aproximar o espectador, como se estivesse de fato em um mundo onde tudo é belo, até mesmo o que não é. Nesse conto de fadas moderno, Marshall acabou indo muito além do que qualquer um poderia imaginar, e de quebra colocou Roberts no mapa e ressuscitou a carreira de Gere. Se é bobinho ou não, superestimado ou não, isso já não importa – Uma Linda Mulher é, em pequena escala, o cinema comercial americano em seu melhor, por ser capaz de transformar qualquer realidade cinza em um inesquecível sonho bom.

Comentários (5)

Robson Nakazato | quinta-feira, 16 de Outubro de 2014 - 08:52

Fizeram essa crítica adiantada por causa do reexibição do filme na sessão "Clásssicos Cinemark" Se for por isso entao a equipe de criticos do Cineplayers poderia fazer o mesmo com outros filmes.

http://vejasp.abril.com.br/blogs/miguel-barbieri/2014/10/02/classicos-cinemark-quarta-temporada-linda-mulher/

Rodrigo Giulianno | quinta-feira, 16 de Outubro de 2014 - 21:22

Julia Roberts é uma das atrizes mais "sem graça" do cinema americano.

George | sábado, 18 de Outubro de 2014 - 01:01

Clássico

Cristian Oliveira Bruno | terça-feira, 21 de Outubro de 2014 - 20:50

"Julia Roberts é uma das atrizes mais "sem graça" do cinema americano." [2]

E Gere também. Bom filme. Só. nota 6

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