Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Longa jornada.

7,5

Documentar uma história particular é um desafio aceito por vários cineastas. Registrar a verdade em cena é um feito. Se não é possível alcançarmos a veracidade dos fatos, ficamos com a possibilidade, a ficção sugerindo a realidade em diferentes formatos. E falar de si, da família, das vivências, é uma opção corajosa, sendo o foco uma homenagem ou mera lembrança compartilhada. A cineasta Lúcia Murat, de Brava Gente Brasileira (2000) e do documentário Olhar estrangeiro (2006), ajusta o retrovisor nessa sua viagem e olha para trás com carinho e afeto, reconstruindo o passado através de uma abordagem nova e levando ao público um relato intimista.

As relações são postas em cena por um de seus elos. Murat apresenta basicamente um documentário sobre si e seu irmão, uma relação disposta por cartas que este lhe enviara na distante década de 70, enquanto era presidiária, resultado de sua luta política. O documentário é um resgate dessa história, relembrando como foram suas vidas naquele tempo, com fotografias, recortes de jornal e filmagens caseiras, enfocando as descrições de Heitor, hoje definitivamente instalado no Brasil após sua jornada no movimento desbunde, época de inserção em conflitos morais e nas drogas. O plano de fundo é atrativo, cultuado por recordações de uma geração movida por filosofia libertária.

Ágil e relativamente minucioso no que preza sua retratação, o trabalho é um triunfo enquanto abordagem pessoal de fatos de uma história familiar ao passo que revela um pouco do que foi o Brasil naquele período e o quanto alguns brasileiros sofreram. É também corajoso ao falar da essência dessas cartas e expor assuntos como morte, esquizofrenia e internação. Não é difícil a empatia pelos retratados vigorando a história através do humor atípico do irmão de Lúcia e do zelo investigativo da cineasta, fazendo do documentário uma declaração fraterna conveniente as suas perspectivas. É demasiado expositivo, natural, por assim dizer, frente à câmera. Lúcia está absolutamente à vontade. 

Bem filmado e conduzido com vibração, este filme ainda traz o recurso da encenação, tendo Caio Blat como estrela, dando uma vitalidade inovadora no projeto, vivendo Heitor nos anos 70, tempos em que desfrutava de sua introspecção confusa e escrevia várias cartas para a família enquanto rodava o mundo. Tal artifício transforma o recurso da simples narração de cartas para partilhar da exposição de uma figura declamando-as, o que garante o ar de novidade, chamando a atenção a outro aspecto que não só os registros e entrevistas. Inevitavelmente amargurado e livremente melancólico, uma vez basear-se na saudade e intimidade, o documentário é belo e sincero, uma homenagem particular a história de uma família e sua luta em tempos atrozes.

Comentários (1)

Faça login para comentar.