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Críticas

Cineplayers

Picadeiro de brilho coletivo.

6,0
Não tem como não admirar quem se proponha a fazer algo de diferente dentro do universo 'comédias Globo Filmes'. Ok, acabei de escrever algo nesse mesmo caminho no texto de Mulheres Alteradas, parece que sou um profundo admirador do que a hegemonia 'global' promove no nosso cinema. Mas é de se admirar mesmo que vez por outra um novo olhar se faça presente dentro dessa seara tão notadamente nociva. A prerrogativa desses filmes geralmente abre mão de qualquer mínima inventividade estética, se resumindo a filmar sem brilho o que está descrito no roteiro. Sem nada além. Enquanto no filme de Luis Pinheiro existia uma intenção de ao menos tentar reproduzir uma linguagem HQ, aqui a sátira policial tão cometida no cinema americano chega às nossas telas com certo cuidado e inspiração, mostrando que Marcus Baldini não tem intenção de ser esquecido.

Marcus tem dois sucessos no currículo, Os Homens são de Marte e é pra Lá que eu Vou e Bruna Surfistinha, uma biografia fora do lugar comum, tristonha e pé no chão. Nesse novo filme, Baldini se mostra no controle de uma homenagem mais do que a um gênero, mas a uma época. A trilha remete a Shaft, os carros são antigos (mesmo!) e a movimentação de câmera não nega: há uma emulação divertida do universo policial dos anos 70 aqui. Na verdade, é uma salada que mistura as referências da época com filmes de duplas de tiras que passam por Máquina Mortífera, Seven e acaba por criar uma apropriação abrasileirada dessa seara que não é nosso culturalmente, mas que funciona porque se trata de uma comédia. O cuidado da produção é muito evidente e acaba por convencer o espectador daquela inverossimilhança simpática.

A supracitada trilha de Plínio Profeta é um achado, porque não apenas situa o filme dentro da farsa proposta como sublinha muito bem a trama, além de ser boa de fato e não apenas funcional. Ela sofistica aspectos da direção, que infelizmente não é constante para além da bela moldura criada no produto. Ainda assim, é um material diferenciado que apresenta um roteiro (a cinco mãos, Leandro Muniz, Ana Rever, mais o produtor Fernando Fraiha e dois dos protagonistas, Tatá Werneck e Daniel Furlan) repleto de gags realmente engraçadas. O trabalho de montagem (a cargo de Danilo Lemos) cria um ritmo que passeia por gêneros diferentes sem perder o fôlego e a identidade, e o figurino de Leticia Barbieri traduz bem cada um daqueles personagens, indo além do mero ato de vestir.

Não se trata de um projeto repleto de camadas ou subtextos - é uma comédia pop bem feita, encenada de maneira competente. Mas nada de marcante ou fora do comum acontece, a não ser na certeza de que o gênero comédia ainda é muito mal tratado por aqui. Ao invés de criar uma relevância que não lhe cabe, Marcus se contenta em ser esperto com o charme que consegue ter. Não atrapalha em nada o fato do filme ser protagonizado por Tatá Werneck, uma figura cada vez mais polarizada. Amada e odiada na mesma proporção, Tatá é de um talento incomensurável para uns e uma grande canastrona para outros, mas ninguém é indiferente a ela. Cheia de personalidade, se reinventou há dois anos à frente de um talk show premiado em suas duas temporadas, e agora lhe falta alcançar no cinema o sucesso que a TV nunca lhe negou. A construção de sua Keyla em nada lembra a anterior KikaK de TOC, sua primeira protagonista no cinema e um desafio imenso para ela. Aqui ela parece mais em casa, ainda que criando possibilidades.

O filme é fruto de uma vontade de Tatá contracenar com Cauã Reymond, foi construído também como veículo para tal e o resultado final é o menos artificial possível, e Cauã cria uma química sem igual com Tatá. Não é de hoje que ele demonstra sensibilidade e inteligência cênica, e o filme abre seu leque de opções do que já tinha apresentado até hoje. Ary França é outro grande ator mal aproveitado no geral e que aqui demonstra seu potencial. E o que dizer de Daniel Furlan? É uma das figuras mais interessantes da atualidade. Ano passado fez um estrago em TOC e em La Vingança e aqui muda seu registro para algo ainda mais exterior, renovando seu estoque e mostrando que seu potencial está só no início; seus encontros com Tatá no filme são implacáveis, dois atores que se conhecem muito e sabem o que potencializar no outro. É da interação entre essas figuras que nasce 50% do interesse no longa de Marcus Baldini, que não precisa ir muito além (e vai) do que isso para apresentar um passatempo de primeira.

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