Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Experimental demais para ser comercial, sentimental demais para ser um documentário.

7,5

Parece até um estudo estético sobre o Nordeste, e quanto mais nos aproximamos de Viajo porque preciso, Volto porque te amo, descobrimos que, de fato, Marcelo Gomes e Karim Ainouz fizeram esta viagem colhendo imagens do sertão nordestino a partir da vontade de conhecer  essa região de grande presença afetiva na vida de ambos. A narrativa se desenvolve com um jeitão de documentário antropológico, tomando a aparência de diário em que um geólogo vai narrando sua viagem de trabalho.

Pensamentos sobre amor, saudade, trabalho, e a descoberta de novos mundos-pessoas que vão surgindo pelo caminho, se misturam a fotografias e alguns trechos em Super 8 para montar um painel sobre a vida no interior do sertão nordestino. O trabalho com várias possibilidades de câmera reforça ainda mais a idéia de estudo, mas expõe também a possibilidade de vivência que um personagem real como aquele geólogo pudesse vir a ter numa viagem cuja intenção não é apenas a de fruição turística, mas de um trabalho que envolve a imagem por uma perspectiva científica e que aos poucos vai ganhando características mais artísticas. Quase dá pra acreditar que estamos diante de um filme feito por um  leigo que vai experimentando os vários tipos de suporte.

Viajo porque preciso, Volto porque te amo quebra a clássica amarração de um rosto ao protagonista e ele nunca aparece, apesar de sermos guiados por sua voz o tempo inteiro. Simulando a experiência de que o próprio narrador seja o responsável pelas imagens, a ação transcorre no tempo da viagem, entre o trabalho, a estrada e alguns encontros fortuitos dele com o cotidiano das pessoas que cruzam seu caminho. Procissões, festas, feiras, artesãos de várias espécies são os coadjuvantes da ação.

É de espantar quando se vê os estereótipos falando por si próprios, reiterando alguns preconceitos que se fazem a seu respeito. Em nenhum momento o narrador faz apologia à vida do sertanejo, mas também não a nega. E a grande força do filme parace surgir desse encontro sincero com a estética de vida nordestina, colorida pelas estampas da chita e embalada pela canções de amor mais bregas e mais verdadeiras.

A união entre Marcelo Gomes e Karim Ainouz pode ser entendida se pensarmos num prolongamento temático e cruzado entre os filmes mais conhecidos dos dois: Cinema, Aspirinas e Urubus e O Céu de Suely. É como querer mostrar o nordeste sob outra perspectiva, com um olhar vindo de dentro pra fora, e ao mesmo tempo tocar questões já carregadas de preconceito (como o uso da música brega, por exemplo) para mostrar aquilo não com um olhar inquisidor que quer confirmar os estigmas. É documentar como se vive aquela realidade e falar naturalmente sobre as escolhas, inclusive estéticas, que fazem do nordeste o que ele é. E essa parece ser a busca dos diretores: serem honestos com aquele lugar de fala.

Ainda que a metáfora final sobre o mergulho na vida seja óbvia e os minutos finais do filme tenham parecido arrastados, este filme que mais parece um estudo, seja estético ou antropológico, surpreende a quem está acostumado com as fórmulas narrativas mais comerciais e encanta pela simplicidade com que conta uma história de amor.

Comentários (0)

Faça login para comentar.