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Críticas

Cineplayers

Um filme de ótima perícia técnica, mas que se afunda pelo seu final tenebroso.

4,0

Após a explosão para o mundo através de seu bom filme Seven, o cineasta David Fincher ganhou prestígio merecido. Era um cineasta da nova geração, que se preocupava com estética apurada, moderna e que servisse de suporte à história. Suas imagens ajudavam a dar credibilidade aos seus enredos, unindo-os em uma combinação geralmente interessante. Com Clube da Luta ele chegou ao seu auge, provando não ser fogo de palha. Ainda assim, Fincher não escapou de fazer filmes vazios onde apenas a estética prevaleceu, ignorando a lógica ou um roteiro mais apurados. Ou ambos. O Quarto do Pânico é exemplo disso e, principalmente, este Vidas em Jogo, que o cineasta realizou logo após Seven.

O filme funciona como um divertido jogo de gato e rato, à moda de Hitchcock, e seu grande mérito é o fato de conseguir desenvolver eficientemente um clima tenso já em sua primeira meia hora, praticamente obrigando o espectador a assisti-lo até o fim, por possuir uma história bem amarrada e cada vez mais surpreendente. Claro que alguns pontos e acontecimentos são completamente previsíveis (ver parágrafo mais adiante) e por isso o seu grande trunfo acabou tornando-se o seu grande pesadelo. Ainda assim a técnica apurada de Fincher, que consegue mostrar uma cidade grande, à noite (o filme é praticamente todo escuro), de forma que ela não fique monótona, funciona como um escape ao roteiro ruim, ou seja, se a epopéia de Nicholas (Michael Douglas no tempo em que seus suspenses estavam ainda em alta) fica previsível ou sem sentido, pelo menos se mostra sempre visualmente bela.

Infelizmente, a técnica e o clima tenso proporcionados pelo filme estragam-se todos quando o final começa a ser sentido. Quem acha que o filme tem um final surpreendente é porque não viu muitos filmes interessantes ou inteligentes. O final (em todas as suas possibilidades, não somente na que acabou ocorrendo) fica absurdamente previsível desde pelo menos a metade do filme. E não é exatamente isso que acabou tirando seu brilho. Há filmes com finais pseudo-inteligentes ou pseudo-imprevisíveis que acabam não sendo manchados por causa disso. Mas Fincher e os dois roteiristas (os mesmos de Exterminador do Futuro 3) elevaram a falta de bom senso a níveis altíssimos quando brincaram demais com a inteligência do espectador.

O filme é tecnicamente primoroso e divertido, e as intenções de suas mensagens são boas, mas isso não muda o fato dele nos fazer de imbecis – e isso é bastante imperdoável. Abaixo separei alguns problemas que tive com as soluções que foram apresentadas. Veja bem, você pode ignorá-los ou não se sentir enganado por eles, mas não pode, de forma alguma, negá-los. No final, Vidas em Jogo é apenas um besteirol de Hollywood altamente bem elaborado, mas ainda assim um besteirol. O diretor de Seven prova, dessa forma, ser altamente comercial, já que faz bombas esporádicas (como já citei, O Quarto do Pânico é outro filme absurdamente vazio e com pouco sentido) – ainda que apropriadamente maquiadas para tentar disfarçar a feiúra delas. Uma grande decepção.

NÃO LEIA A PARTIR DAQUI SE NÃO HOUVER VISTO O FILME

Considerando que todos os acontecimentos no filme de fato faziam parte do jogo:

- Não faz sentido algum o acidente com o táxi, ainda que a justificativa de Claire tenha sido que “havia mergulhadores prontos para o atendimento”. Ora, qual o propósito desses mergulhadores em um carro trancado por dentro?

- É forçar ao limite considerar que Nicholas se lembraria da conexão do ator na televisão no restaurante em relação ao restaurante Oriental, e fosse procurá-lo no pequeno restaurante em Chinatown. Mais forçado ainda é vê-lo, apropriadamente, em uma foto grande na parede do mesmo restaurante. Apropriado demais, não acham?

- Todo – absolutamente todo – detalhe no jogo foi calculado nos mínimos detalhes. Posições das lixeiras, local do suicídio em cima do telhado... A empresa inclusive parecia ter um dispositivo que lia a mente de Nicholas, para saber seus próximos passos e saber agir de forma dinâmica de acordo com eles, ainda que isso fosse fisicamente impossível. Esse, em minha opinião, foi o buraco no roteiro mais profundo e o mais difícil de engolir. É tudo apropriado demais, encaixado a marteladas. Todos os seus atos e falas não poderiam jamais ser previstos.

- Algumas pessoas podem aceitar todos esses absurdos com base no argumento que “testes psicológicos foram feitos para determinar seu comportamento e prever a maioria de seus atos”, mas isso seria tão estúpido quanto o final do filme, ou pelo menos não seria ainda o suficiente para justificar tamanha precisão. O ser-humano simplesmente não é tão previsível. Apenas em Hollywood, é claro.

Um final ainda enganador, porém muito superior, teria sido o suicídio bem-sucedido de Nicholas. A mensagem do filme seria mais chocante (e, consequentemente, iria aderir de forma mais efetiva à mente do espectador). Mas mesmo Fincher se entrega ao comercialismo do cinemão, e aí está o resultado.

Comentários (3)

Rosana Botafogo | quarta-feira, 01 de Maio de 2013 - 10:51

Ótima critica, mas engoli os furos com milk-shake e adorei o filme... hehehe...

MARCO ANTONIO ZANLORENSI | quarta-feira, 20 de Janeiro de 2016 - 00:32

Realmente todas essas falhas aconteceram. Assisti o filme hoje, um pouco tarde talvez, quem sabe se na época do lançamento eu tivesse assistido o efeito seria outro. Mas de qualquer maneira foi bom ver o velho Michael atuando com seu estilo cafajeste.

André Luís da Silva Coutinho | segunda-feira, 25 de Janeiro de 2016 - 16:33

Alexandre, o final do filme é realmente ridículo e concordo com tudo o que você falou na "área de spoilers" da crítica. O final do filme chega a ser cômico de tão mal-planejado! Me decepcionei com Fincher nesse trabalho.

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