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Críticas

Cineplayers

Um dos precursores do Cinema Novo é uma grande adaptação da obra literária homônima. Até hoje um grande filme.

8,5

Muitas das vezes a transposição da literatura para a 7ª arte tem a desejar em certos pontos, talvez pela extensão do livro que de certa forma se torna inviável para o cinema, ou talvez pela essencialidade e caracterização que é muito mais acessível e detalhista no papel. Esse não é o caso de Vidas Secas, obra máxima do alagoano Graciliano Ramos que concebeu a incumbência de realizar o filme sobre seu livro a um dos maiores cineastas brasileiros, Nelson Pereira dos Santos.

Em 1955 o cineasta filmou Rio 40 Graus, filme precursor que deu origem posteriormente há um dos principais movimentos cinematográficos brasileiros, o Cinema Novo. Gênero que tinha como uma de suas principais características expor a cultura, o folclore brasileiro como vertente máxima do cinema nacional. Foi somente oito anos depois, quando Nelson tinha seus 35 anos de idade que lhe surgiu a oportunidade de adaptar a obra literária de Graciliano Ramos para o cinema e demonstrar toda a sua habilidade fílmica como diretor e roteirista.

O livro/filme conta a estória de uma família de retirantes nordestinos, composta por Fabiano (Átila Iório), sua mulher Sinhá Vitória (Maria Ribeiro) e seus dois filhos. Além destes, completam marginalmente a família, a lendária cachorra Baleia e um papagaio. A vida no sertão nordestina é muito dura, o começo se dá de forma trágica, os integrantes da família fugindo da seca que castiga a região, se vêem obrigados a matar o papagaio que serve de alimento a família (no ano de 2002, foi feito um curta-metragem, Como se Morre no Cinema, que narra a história do papagaio que participou das filmagens de "Vidas Secas" em 1962, e da cachorra Baleia, mostrando bastidores do filme e depoimentos de cineastas).

Após contínua e exaustiva caminhada pela área nordestina, encontram uma fazenda abandonada, à qual futuramente passará a ser a moradia temporária do grupo. Fabiano consegue um emprego de vaqueiro e a família de certo ponto se vê instalada nas mediações da fazenda. A região parece amaldiçoada, seria o Inferno? Muita pobreza, seca, fome além de outros problemas agravam a vida de um homem, ignorante sem igual, analfabeto, humilde, ingênuo que no final das contas, a única coisa que quer é um meio digno para sobreviver no meio a terra do sol. Contexto típico de muitos nordestinos, história comum a milhões de brasileiros, que depois de muita procura e tentativas pelo sertão partem para o sul em busca de uma vida melhor.

Um detalhe importante para o entendimento do filme é uma analise semiótica sobre a cachorra Baleia, primeiro personagem a aparecer no filme e de certo modo, o mais inteligente e humano da obra. Membro essencial da família, uma das únicas diversões aparentes dos meninos, é bastante discriminada, fica sempre com os restos de comidas, e se contenta com pouco. Ao final, muito magra e sem pêlo tem um fim trágico, polêmico e muito triste.

O contexto geográfico e histórico é muito similar a Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme de Glauber Rocha e ícone máximo do Cinema Novo, porém Vidas Secas tem um tom mais realista, documental. Nos Estados Unidos Stanley Kubrick é considerado o grande adaptador de livros, de maneira genial passou 2001: Uma Odisséia no Espaço, Laranja Mecânica, O Iluminado entre outros para a sétima arte. No Brasil, o grande adaptador é Nelson Pereira dos Santos que, além de Vidas Secas, também adaptou para os cinemas Jubiabá de Jorge Amado, Memórias do Cárcere e Tenda dos Milagres de Graciliano Ramos, além de Um Asilo Muito Louco, adaptação de O Alienista, livro de Machado de Assis.

Pouquíssimos diálogos, planos longos e lentos, focado na vida familiar e no convívio social, Vidas Secas assim como expressão máxima da habilidade escrita de Graciliano Ramos se torna talvez o melhor filme do cineasta Nelson Pereira dos Santos, com certeza o mais influente. Indicado à Palma de Ouro, um dos primeiros filmes do Cinema Novo em tese e na prática. Fotografia em preto e branco, característica que nos deixa com mais contraste à caatinga nordestina, enaltecendo a violência do sol. Infelizmente o filme não obteve sucesso imediato por aqui, demoraram cerca de três anos até circular pelos cinemas nacionais. Indicado pela British Film Institute como uma das 360 obras fundamentais em uma cinemateca, o filme luta para não cair no esquecimento popular.

“O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos."
- Graciliano Ramos

Texto retroativo da série Clássicos Brasileiros

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