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Críticas

Cineplayers

Suspense psicológico é refilmagem tão competente quanto obra original.

8,0

Refilmagens são processos normalmente desnecessários que refletem não só a intenção de se recontar determinada história, mas também, principalmente em refilmagens americanas, a necessidade de expandir a abrangência de determinado produto cinematográfico a um público maior, visto que o cinema feito em outros países freqüentemente é ignorado pelo grande público nos Estados Unidos. A primeira notícia de uma versão americana para o subversivo Violência Gratuita causou espanto em quem cultuava o trabalho original, incluindo este que vos escreve, e tal espanto apenas cessou quando a confirmação do diretor da produção aconteceu: ele seria novamente Michael Haneke, diretor e roteirista do Funny Games original, de 1997.

O fato de determinado diretor refazer um trabalho próprio não é algo inédito na história do cinema, sendo Alfred Hitchcock um bom exemplo para tal afirmação: o mestre do suspense lançou em 1956 o ótimo O Homem que Sabia Demais, thriller que já havia dirigido anteriormente em 1934, na Inglaterra. O primeiro Funny Games é uma produção austríaca falada em alemão e embora tenha deslumbrado a crítica, sendo inclusive indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes, ficou restrito a uma pequena parcela de público e destinado a circuitos artísticos mundo afora.

A trama do filme apresenta um casal que, junto com seu filho e um cachorro, vão passar suas férias em uma casa de campo. A família então conhece dois rapazes que propõem uma série de jogos sádicos, os deixando sem alternativas além das de participar dos tais funny games, presentes no título original, que de divertidos não possuem absolutamente nada. Destinado aos consumidores de violência, o filme é um exemplar do cinema que faz do espectador participante ativo de sua narrativa, este servindo aqui como cúmplice de todas as ações do duo de psicopatas. A interação de um dos personagens com o público ainda é extremamente impactante, e embora a já clássica piscadela de Arno Frisch não seja repetida por Michael Pitt, a simpatia macabra e a calma de Paul continuam sendo elementos aterrorizantes do filme. 

Assim como o trailer e algumas fotos já mostravam, a nova versão de Funny Games não é tão nova assim. O filme é a transposição quadro a quadro da obra original, e o diretor utiliza os mesmos planos, seqüências e diálogos escolhidos em seu trabalho original, tendo como mudança apenas o elenco que, no entanto, em suas interpretações, recriam e transmitem os mesmos sentimentos passados pelos personagens do primeiro filme. Mas então, para que uma refilmagem? Primeiramente imaginava que Haneke fora inteligente ao aceitar o projeto, já que assim não deixaria que seu filme fosse deturpado por outro realizador. Então ele próprio comandaria o filme e faria tudo exatamente igual, criticando ainda a necessidade desenfreada da indústria americana de refazer filmes originalmente falados em outras línguas. Mas, como o próprio Haneke justificou posteriormente, aceitou participar do filme pelo propósito de ampliar a abrangência de sua mensagem contra a banalização da violência, que até então não tinha atingido o grande público. E existe lugar melhor para que tal questão seja levantada do que a América?

Em Violência Gratuita Haneke tem como tema o excesso de violência que é propagado através das mídias de massa, que costumeiramente restringem cenas de sexo e linguajar baixo a um público adulto enquanto relevam a violência, normalmente glamourizada, utilizada principalmente no cinema. A abordagem singular de Haneke ao tema é quase que inteiramente implícita, uma vez que seus enquadramentos não evidenciam as cenas onde acontecem os diversos níveis de agressão propostos pelo roteiro, pois a intenção do diretor é criticar os filmes violentos e não fazer outro exemplar fílmico que exacerbe na utilização de tal recurso. Outra intenção declarada do diretor é a de não limitar a imaginação do espectador explicitando através de imagens o que pode ser feito por sugestões.

Ironicamente, Violência Gratuita recebeu a classificação R para o público americano, que restringe o filme a maiores de 17 anos, sendo admitida a entrada de menores apenas acompanhados pelos pais ou responsáveis. A Motion Picture Association of America (MPAA), associação que classifica os filmes nos Estados Unidos, alegou que a produção contém violência em níveis altos, linguagem inapropriada e conteúdo sexual forte. Por este e outros motivos o filme não teve grande desempenho nos cinemas americanos, sendo rejeitado pelo público-alvo: foi lançado em 288 salas (circuito restrito) e lucrou apenas 1,3 milhões de dólares.

Violência Gratuita, em 2008, se tornou um exemplo de refilmagem que pode ser equiparada à obra original, porém os méritos do remake não são maiores já que, como disse antes, o filme é praticamente o mesmo. Mais uma vez a mensagem de Haneke é transmitida através de uma obra perturbadora, sendo apenas lamentáveis os fatos de que o filme não tenha atingido o público à que se destinava, assim como o “tempo perdido” do diretor aplicado a um projeto já conhecido, uma vez que o mesmo poderia ter utilizado o período para desenvolver algo inédito.

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