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Críticas

Cineplayers

A comédia consciente do ano.

8,0
Em um dos momentos mais engraçados do ano, o personagem de Ryan Gosling em Dois Caras Legais (Two Nice Guys, 2016) cai de uma sacada, bate de contra uma árvore e, num trabalho bacana de misè-en-scene, descobre gradativamente o corpo de um homem morto ao seu lado na árvore. Falando assim parece pouco, mas este momento daquele filme em particular é carregado de timing cômico e precisão na composição da cena que as comédias poucas vezes nos dão hoje em dia. Digo isto, pois essas e as várias risadas proporcionadas por Dois Caras Legais irão rivalizar com as geradas pela porralouquice ao mesmo tempo desmedida e responsável de Vizinhos 2 (Neighbors 2: Sorotity Rising).

Algo do qual a sequência de uma comédia, um dos gêneros mais prejudicados pela crise de criatividade atual, dificilmente escaparia seria da condenação em se repetir. No caso de Vizinhos 2, o plot é basicamente o mesmo do longa original, onde novamente as duas classes de comédia representadas por Seth Rogen e Zac Efron são postas em lados contrários para um jogo de gags e piadas escatológicas que, nas mãos, bocas e corpos dos dois atores, ganharam um novo sentido para esse humor físico no primeiro filme. E dessa vez a coisa não é lá muito diferente, contando apenas com a adição de uma Chloë Grace Moretz que se muda para a casa ao lado de Mac (Rogen) e Kelly Radner (Rose Byrne) e funda uma nova fraternidade, a Kappa Nu, após descobrir que as meninas não possuem permissão para promover festas no campus da universidade. Acontece que o casal Radner, com uma nova filha a caminho, deseja vender a casa e se mudar para uma estadia maior, o que certamente será dificultado pela presença da fraternidade barulhenta de meninas. E daí, começa a guerra.

Mas apesar do plot similar, Vizinhos 2 surpreendentemente não se deixa limitar pela reciclagem das mesmas piadas prontas que todos já conhecemos, como de fato esperávamos. E melhor ainda: temos aqui uma continuação que faz questão de inserir e brincar com temáticas sociais como feminismo, sexismo, liberdade sexual e homossexualidade que, se em outras produções teria um ar planfetário, aqui funcionam perfeitamente em favor de um humor consciente de si mesmo, que consegue tirar graça da coisa sem deixar de lado um notável tom de problematização.

E mais que isso, Vizinhos 2 traz em suas genuínas risadas um quê de reflexão não só apenas sobre a posição feminina em meio a uma sociedade que as sexualiza, mas também sobre a afirmação adolescente que, nos anos 80, foi amplamente debatida e reverenciada em clássicos como Clube dos Cinco (The Breakfast Club, 1985) e Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, 1986), e que aqui ganha contornos assumidamente femininos. O que convenhamos, para uma comédia desse porte, é uma baita e bem-vinda surpresa. E melhor ainda, o filme também retrata a presença da homoafetividade com extrema naturalidade, sem precisar recorrer a estereótipos ou afetações e tirando aí um humor que até mesmo escracha alguns preconceitos e reverencia a brodagem tão característica entre o sexo masculino.

A interação anárquica e por vezes até grosseira (no bom sentido) entre Seth Rogen e Zac Efron (a Megan Fox de músculos e peitoral, como adequadamente li por aí) não é deixada de lado em meio a isso tudo, e não apenas a dupla mantém o carisma e a ótima veia cômica do original (a cena do abraço é tão estranhamente engraçada quanto levemente tocante), mas colocam em xeque esse encontro entre duas gerações do mesmo gênero, tendo nesse meio um quê de reflexão sobre as responsabilidades da paternidade (“O que ela está assistindo nesse iPad? Os Bons Companheiros?”) e a própria negação em abandonar a adolescência, algo que encontra reflexo na insistência de Zac Efron, hoje com seus 28 anos, em continuar nas produções voltadas para esse tipo específico de público. É aquele ditado: você sai do High School Musical, mas o High School Musical não sai de você.

Contando ainda com um ágil trabalho de montagem que por vezes parece ágil até demais, e uma ou outra piada envolvendo fezes, vômitos e vibradores nas mãos de crianças que não funcionam como deveriam, Vizinhos 2 é uma das raras comédias dessa nova safra que possuem total consciência do tipo de humor que estão levando ao público, levando uma dose de consciência social para os consumidores que, dependendo da maturidade de quem assiste, não vai machucar nem ofender ninguém. 

Agora é esperar por um terceiro filme (alguém acredita que não terá?) e as novas desculpas para tirar a camisa de Zac Efron.

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