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Watchmen - O Filme

(Watchmen, 2009)
7,6
Média
783 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Depois de uma conturbada jornada, a maior graphic novel de todos os tempos chega aos cinemas.

7,5

Há uns vinte anos duas histórias em quadrinhos de heróis marcaram a maturidade de um gênero até então visto como sub-literatura. Elas foram "O Cavaleiro das Trevas", de Frank Miller, e "Watchmen", de Alan Moore. Por coincidência ou não, dois filmes baseados nesses mesmos personagens parecem ter feito o mesmo pelo gênero "filme-de-herói", tão popular hoje em dia: primeiro, Batman - O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, apesar de não relacionado a obra de Miller; e agora o Watchmen - O Filme, de Zack Snyder, que tenta reproduzir com fidelidade quase obsessiva a obra de Moore. Após anos de versões ruins de outros trabalhos do autor, os fãs se cercaram de ceticismo em torno da capacidade de Hollywood em trazer Watchmen ao cinema, e ainda deve dividi-los.

Watchmen se passa numa realidade alternativa, onde nos anos 40 pessoas comuns resolveram vestir roupas espalhafatosas e combater o crime. O grupo mais popular chamava-se Minutemen, seguidos depois de seus herdeiros, os Crimebusters (chamados no filme de Watchmen mesmo pra simplificar), e foram bastante populares até uma lei que proibiu atos de vigilantes. São os anos 80 e Richard Nixon ainda está no poder, a Guerra Fria e a corrida armamentista contra a Rússia estão chegando a um ponto insustentável. O Comediante, um dos antigos heróis, é assassinado em Nova York e Rorschach, um vigilante que passou a agir clandestinamente, começa a investigar o crime. Entremeado a isso, a graphic novel também contava histórias de pessoas comuns que viviam nessa realidade; havia trechos do romance escrito por um ex-herói aposentado, e até uma outra história em quadrinhos que era lida por um dos personagens – um rico painel narrativo e temático que chegou a ser consagrado entre os maiores da literatura inglesa, mas todo esse espectro inevitavelmente se perdeu na versão de cinema, focada mais na trama principal.

Zack Snyder é um jovem diretor que depois de alguns filmes bem-sucedidos, tornou-se queridinho da máquina de Hollywood.  Mesmo com o aval de sua fiel adaptação de 300, o ceticismo continuou, afinal Watchmen é bastante diferente da obra de Frank Miller e com características que a tornam difícil do ponto de vista mercadológico. Não é uma história cheia de ação, além de possui um tom niilista. Para surpresa geral não houve comprometimentos da parte de Snyder, por mais que se tenham cortado trechos inteiros e estendido cenas de ação para agradar ao público. Está tudo lá: da ultraviolência aos (muitos) diálogos cheios de pessimismo e divagações filosóficas, até a nudez frontal do Dr. Manhattan. Como ele conseguiu convencer os executivos e driblar a MPAA (orgão que dita a classificação etária nos EUA e que automaticamente segmenta o filme a um nicho de mercado) não se sabe, mas ainda que o filme esteja preso às amarras comerciais o resultado é no mínimo arriscado.

Talvez o sucesso do último Batman tenha ajudado não apenas a abrir o caminho entre os meios de produção, mas também a educar o público em aceitar uma história de super-heróis mais adulta. A versão de Snyder para Watchmen é menos fiel que 300, e apesar dele ter trabalhado com a mesma motivação de representar quadro a quadro o máximo que pôde, nem tudo funciona. O excesso de reverência ao material original traz alguns problemas graves: o ritmo é corrido na tentativa de condensar tanta informação, e a estrutura episódica da graphic novel cria uma narrativa irregular e cansativa, o que pode alienar aqueles que nunca leram o original. O uso de música pop na tentativa de situar o espectador no tempo e aliviar a verborragia do texto falha em quase todos os momentos. Tirando The Times They are A-Changing do Dylan na ótima abertura, que resume os heróis do passado, há cenas risíveis como sexo ao som de Hallelujah do Leonard Cohen, música que deveria ter sido banida desde que Shrek a usou. O trabalho de maquiagem é muito falso, principalmente Nixon e a personagem de Carla Gugino, que são grotescos, quebrando a imersão do espectador. Estranho, pois tecnicamente é um filme bem produzido.

Felizmente ele funciona em pontos importantes como o elenco. Todas as escolhas pareceram acertadas, uma raridade em qualquer adaptação, e a decisão de se evitar astros conhecidos foi sábia. O maior destaque é sem dúvida Jackie Earle Haley como Rorschach / Walter Kovacs, ator de aparência expressiva que já tinha se destacado no drama Pecados Íntimos. Rorschach é o personagem mais importante na versão do cinema – é a partir de sua investigação que está o fio da narrativa e foi uma grande responsabilidade para Haley. Billy Cudrup como Dr. Manhattan era uma preocupação também, e ele emprestou sua interpretação e voz frágil para um personagem 100% computação gráfica, que anda pelado e faz coisas impossíveis enquanto filosofa sobre a humanidade. Tinha tudo pra ficar ridículo, mas respirem aliviados, fãs: ele também funciona; o uso de CG até ajuda a conferir ao personagem o tom mais-que-humano que o personagem evoca. O terceiro elemento de destaque é o Comediante: apesar de aparecer pouco, Jeffrey Dean Morgan rouba cenas com o imoral personagem. O galã Patrick Wilson engordou e exibe uma careca em formação para compor o seu Coruja; ele e a bela Malin Ackerman como Espectral são os mais jovens e inocentes entre os demais e conseguem criar empatia, já Matthew Goode como Adrian Veidt/Ozymandias foi prejudicado pela pouca exposição de seu personagem, mas convence mesmo usando a armadura mais cafona do filme, uma citação irônica aos Batmans do Joel Schumacher feita pelo Snyder e que cabe ao tom da história.

O filme abraça perigosamente o lado ridículo dos heróis e isso também está embutido no texto de Moore. Talvez seja no conflito entre o tom sério e denso com esse lado camp que esteja um dos maiores problemas da adaptação, o filme se parece preocupado demais com sua importância e a ironia se perde ou soa desconexa em muitas cenas, a nudez e o sexo são tratados com mão pesada por um diretor imaturo em lidar com esses elementos, mas a violência por outro lado é gráfica, eficiente e impactante, isso ele já dominou. O trabalho dos roteiristas David Hayter e Alex Tse é competente, mas inferior todas as vezes que se afasta do original, principalmente na segunda metade. Mas nem tudo que foi alterado foi para pior, diversas cenas foram retiradas em prol de uma narrativa mais enxuta, mesmo assim o filme é ainda bastante longo com mais de duas horas e meia. O final é diferente, mas funciona, e uma versão do diretor com uma hora a mais foi anunciada, e nela os fãs poderão se perder em detalhes como o gibi do Cargueiro Negro que estará presente em forma de animação, por exemplo.

Kubrick dizia que nenhum livro era infilmável, e apesar de Zack Snyder estar a léguas de distância abaixo do genial cineasta, confirma a declaração mesmo levando-se em conta suas falhas e excessos. Watchmen é provavelmente mais bem sucedido do que merecia. Perdeu boa parte da essência, mas o resultado ainda cativa seja pelo impacto visual ou pela força da história, ainda uma excelente descontrução do filme de super-herói e um desafio aos limites do cinema-pipoca.

Comentários (1)

Vinícius Oliveira | domingo, 23 de Junho de 2013 - 19:49

Sem dúvida, CAVALEIRO DAS TREVAS e WATCHMEN são os filmes de super heróis mais maduros que existem. WATCHMEN chega a ser mais visceral, com uma carga de violência explícita absurda, não que seja um defeito, mostra exatamente como um mundo violento funciona, tal como o Batman de Nolan, porém, o segundo de um jeito um pouco mais leve.

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