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#Alive

(#Alive, 2020)
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Protocolo zumbi

5,5

O cinema sul-coreano, não é de hoje, vem emplacando filmes dignos de nota. Para os consumidores de um cinefilia, eu diria, starter pack, muitas dessas produções asiáticas acabam por passar batido. Para os mais iniciados e especialmente para os cinéfilos de plantão, não há novidade alguma no fato de longas coreanos conquistarem cada vez mais o prestígio da crítica internacional. A vitória de Parasita na última edição do Oscar foi a coroação de um trabalho de longa data. De tal modo que, possivelmente, os mais conservadores nessa análise do mercado audiovisual pudessem abrir os olhos, enxergando assim um horizonte mais amplo em termos de produção fílmica. Em #Alive, a perspectiva se volta para uma temática reiteradamente trabalhada, quer seja em Hollywood ou fora dela. Os zumbis estão em cena, sedentos pela carne humana, em uma cidade que fora tomada por criaturas infectadas.

Em termos de ambiência, o foco está no detalhamento do apartamento do protagonista. Um gamer, viciado em tecnologias das mais diversas. Como tal, rodeado por cômodos que, entre uma mobília e outra, contêm gadgets e telas. Sozinho, ilhado, tem de sobreviver a uma centena de zumbis do lado de fora só esperando para dar o bote. O filme nos mostra claramente um protagonista millennial colocado frente à situação limítrofe, permitindo assim uma reflexão acerca das facilidades propiciadas pelo avanço tecnológico. Será que elas realmente são uma boia de salvação para os mais diversos cenários? É bem verdade que a situação erigida aqui é das mais extremas, um cenário quase apocalíptico.

Para além dessa interpretação inicial do filme, vislumbramos uma questão bastante suscitada em debates contemporâneos. Aquela orientada a tratar sobre o isolamento; este por seu turno ocasionado por pessoas cada vez mais voltadas a direcionar retinas para smartphones. No filme, além deles, temos os drones. Utilizados para tomadas aéreas e como auxílio para Oh e Kim saírem da sinuca de bico em que se encontram, eles parecem ser os aparelhos mais úteis num panorama em que a luta por sobrevivência urge. Toda a vidinha confortável vai morro abaixo e o filme sabe trabalhar com dignidade esse contraste entre o antes e o depois.

Os dias de isolamento são mostrados no quadro conforme os cortes acontecem no intento de demonstrar a passagem do tempo. Oh é a persona principal da história e sua composição é, no máximo, aceitável. O ator Yoo Ah-In trabalha mais pautado numa escola caricata de atuação que propriamente num estilo mais naturalista. Entretanto, dada a suspensão da descrença promovida em #Alive, isso não compromete, e os limites da caricatura não são ultrapassados, felizmente. Oh reage, óbvio que em tom deveras over, semelhante a nós nesse cenário pandêmico. Outra coisa que, aliás, pode servir de paralelo aqui. O filme mostra os impactos desse resguardar-se, tal qual procuramos fazer diante do vírus que nos assola nesse 2020, em gesto de proteção. É um filme que mostra todo o impacto psicológico na vida de Oh e Kim, ainda que de maneira rasa e unidimensional.

O diretor II Cho não confere propriamente nuances a seu projeto. As discussões existenciais e filosóficas são apenas arranhadas quando poderiam ganhar um pouco mais de destaque. Acabam sendo preteridas por uma contextualização eficiente, porém genérica daquele cenário horrorífico. Visualmente, #Alive consegue exprimir e espelhar as redes sociais por intermédio das caixas que brotam na tela, representativas daquelas que surgem em outra tela, a do celular. Hora ou outra rola uma concessão no sentido de ousar na linguagem e na articulação da mesma com a premissa. Mas nada vai além do flerte. Há proficiência na abordagem, que por sua vez mostra-se profícua na tarefa de engajar o espectador. Com o adendo de ser aquele consumidor, e aqui talvez seja o termo mais consentâneo a substituir o que se refere a espectador, menos exigente e mais ávido pela satisfação. Essa gerada pela decupagem até meio pobre, oriunda de um roteiro que poderia se aproveitar mais das possibilidades espaciais e interacionais da história.

#Alive não difere muito de filmes na temática zumbi entregues a toque de caixa para um mercado bastante lucrativo. Na televisão, sendo o mais fresco exemplo a série The Walking Dead, a temática encontrou seu espaço de locução. No cinema, de igual modo, ela já desbravara terreno inexplorado com George A. Romero muitos anos atrás e, atualmente, com exemplares a rodo tem se consolidado. Entretanto, como todos sabemos que quantidade não reflete necessariamente qualidade, terminamos frustrados ao final de #Alive. Diante de um filão já saturado, já tão explorado, o mínimo que se esperava de um filme como este era um pouco mais de criatividade. Muito por conta do que fora Train To Busan e do que este representara em termos de inovação. Mais que um filme de zumbi, um filme de zumbi coreano cheio de energia, dono de uma mise-en-scène exemplar, que não reinventa, mas recicla. Mostra-se frenético, empolgante. Dois adjetivos que, guardadas as devidas proporções, até cabem ao filme de II Cho, mas não do modo como gostaríamos, sendo proferidos com a boca cheia ou escritos à caneta tinteiro e em letras garrafais. #Alive é todo calculado, fica até demais num quadrado delimitado pela cartilha do gênero, obedecendo a ditames cênicos. Com isso, não ousa furar a bolha e encerra-se na mediocridade.

Um filme que tem seus méritos, mas que nunca desgarra do protocolar. Até mesmo quando vai para o corpo a corpo, para o frontal da ação e dos desenlaces emocionais, o filme se acanha e acaba por se igualar a primos pobres, como o esquecível e rudimentar Guerra Mundial Z. Enquanto em Invasão Zumbi Sang-Ho Yeon passeia por vários cenários mantendo a tensão e explorando as possibilidades de embate íntimo e físico tanto próximo quanto distante dos zumbis, nos momentos de respiro, II Cho reflete timidamente sobre o confinamento – sem entregar um mínimo de cinza em seu painel preto e branco – e outorga o básico no desenho da ação. Sua câmera é pouco inventiva, seus zumbis donos de uma caracterização pobre e seu público, no grosso, é agradecido. Certamente não passará pela sessão entediado. Todavia, para quem quer algo a mais, encontrará em Alive, com boa vontade e vista grossa, um passatempo, tão e somente. Pelo lado mais otimista, vendo o copo mais cheio do que vazio, às vezes é melhor assim mesmo. Menos pretensão e mais despretensão. Nesse universo dos desfigurados mortos-vivos, entre mortos e feridos, tire sua própria conclusão.

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