Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Paula Hernández faz um filme de encontros e clichês.

7,0

Noite de chuva em Buenos Aires. Alma está presa em um engarrafamento. Logo perceberemos que a personagem não tem para onde ir, pois está morando em seu carro desde que decidiu abandonar a casa e o marido. De repente, Roberto entra em seu automóvel, fugindo de uma espécie de manifestação – só depois saberemos as circunstâncias que o levaram até ali. O encontro de Roberto e Alma é bastante atropelado no início. Mas aos poucos ambos cedem à sua solidão e passam a compartilhar sua crise: para Roberto, um problema com o passado, e para Alma, o futuro. Desde essa sinopse podemos perceber como Chuva constroi-se a partir de situações clichês do cinema.

Assim, a princípio, o que mais chama a atenção no filme da diretora argentina Paula Hernández é como ele copia/emula/cita vários filmes com a temática boy meets girl. Para ficar nos mais óbvios: Vendredi Soir (idem, 2002) de Claire Denis, no qual o casal se conhece ocasionalmente no trânsito, de forma muito parecida; Encontros e Desencontros (Lost in translation, 2003) de Sofia Coppola, no qual os personagens também passam por um momento de crise pessoal e vivenciam uma intimidade em um espaço neutro como um hotel; e os clássicos de Richard Linklater, Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunrise, 2004) e Antes do Amanhecer (Before Sunset, 1995). Como nos filmes de Linklater, Paula Hernández encerra seu filme mostrando os locais da cidade percorridos pelo casal, sem a presença dos personagens, reforçando a relação do filme com a cidade e os seus espaços. Enfim, temos de forma plena o encontro efêmero e em constante deslocamento dos personagens – tão comum no cinema contemporâneo.

Nesse sentido, um diferencial do filme argentino é o de propor uma espécie de loop do tempo e do espaço: os personagens mais do que perdidos e sem destino, estão andando em círculos pelo espaço urbano, em dias que parecem se suceder sem diferenciação. Não há desejo entre os corpos (como no cinema de Denis), não há fuga para o lúdico (Sofia Coppola), não há possibilidade de futuro junto (Linklater). Para que o ciclo de repetição se quebre, Alma e Roberto precisarão lidar com os seus problemas: o fim do casamento, para ela, e a morte do pai ausente, para Roberto. Mas estas questões não funcionam exatamente como um conflito dramático para o filme. Isto porque, em momento algum, duvida-se da capacidade de ambos em resolvê-los e superá-los.

Dessa forma, mais do que um filme sobre a potência do encontro, A Chuva é sobre a inércia – inércia do carro preso em um engarrafamento, inércia do exílio. Por isso, talvez, a necessidade que a narrativa possui de certa verborragia, tanto nas imagens quanto nos diálogos. Principalmente os flashbacks explicativos aos quais os filmes recorrem são de uma redundância atroz – mas que no sentido de construção narrativa reforçam a sua circularidade e repetição.

Mesmo que as imagens e tramas do filme muitas vezes transbordem em clichês, há uma força nessa aposta no sutil. Por suas referências cinematográficas mais imediatas, poderíamos até pensar na questão de uma construção feminina no cinema de Paula Hernández. Ou na eterna crise de identidade latino-americana: eternamente tentando reconciliar-se com o seu passado (Roberto) e com insegurança para enfrentar um destino incerto (Alma). De qualquer forma, o que fica depois de Chuva é só mais um encontro com imagens já conhecidas.

Comentários (0)

Faça login para comentar.