Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Vencedor do Oscar de Filme Estrangeiro em 59, é uma crítica à tecnologia usada de maneira fútil.

9,0

Enquanto mostra sua casa, comenta a viciada em limpeza Madame Arpel com sua vizinha “E essa é minha sala de estar”, que prontamente responde “Ela é um pouco vazia, não?”. Surpresa, a anfitriã retruca: “Mas é moderno!”. A óbvia relação entre vazio e moderno é atual, mas Jacques Tati havia nos avisado disso lá em 1958, ao lançar Meu Tio, seu filme francês de menor sucesso comercial à época, mas o mais reconhecido (tardiamente), tendo, inclusive, conquistado o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro na premiação do ano seguinte.

Aparentemente simples e direto, conta a história de uma família totalmente dependente da tecnologia fútil, tudo automatizado e superficial; e até hoje penso se o fato do chefe da família e da madame Arpel serem gordinhos foi mera coincidência ou se Tati já estava criticando o ócio da sociedade perante a automatização. O fato é que o filho do casal, Gerard, vê aquilo tudo com tédio e desgosto, tanto que é muito mais próximo de seu atrapalhado tio Hulot, interpretado pelo próprio Tati, um sujeito gente boa, mas bem desligado das coisas que está fazendo, acabando sempre caindo em confusões por isso.

Ao passo em que vamos acompanhando as críticas feitas por Tati, percebemos que todas elas podem ser vistas atualmente. Pense, por exemplo, na empregada com medo de passar nas luzes e ser eletrocutada; nos dias de hoje, ela teria medo de pegar câncer. Mas não há como não se impressionar com a fluidez e simplicidade que a história é contada pelo roteiro: tudo vai acontecendo devagar, sem explicações redundantes, ou você capta o que ta assistindo ou se perde em meio aos diversos efeitos sonoros que o filme apresenta para brincar com nossos raciocínios.

Só que essa simplicidade é superficial, pois o longa é lotado de pequenos detalhes que o enriquecem de maneira fantástica: o muro que divide a cidade moderna vazia da “realidade” na periferia em que vivem a maioria dos personagens, incluindo o simpático Sr. Hulot, pode ser percebido também como divisor desse contraste óbvio entre dois mundos completamente distintos (algo acentuado ainda mais nos dias de hoje, a desigualdade social).

E dito isso, volto a falar do pequeno Gerard: do lado “moderno” da cidade, onde ele pode brincar com seus trens e bolas, o menino está sempre fechado e só ri quando seu tio, vindo do "outro lado", começa a aprontar suas trapalhadas. Porém, quando o garoto está neste lado mais humilde, fica com os outros jovens, aposta moedas para fazer travessuras, come sonhos gigantes feitos por um doceiro de mão suja, enfim, diverte-se da forma mais ingênua e sincera que uma criança é.

Aproveitando a deixa da diversão, gostaria de comentar o ponto crucial para o filme funcionar: as piadas. Apesar das críticas e conteúdo, Tati não fez um filme chato ou pesado. Baseado no choque de características de seus personagens, diversas cenas hilárias são criadas, fazendo desde crianças até adultos rirem com tiradas inteligentes e ingênuas no melhor estilo “Chaves” de ser. Sr. Hulot é um personagem que não fala, seus atos são todos “Chaplinianos”, reforçados por uma genial marcação de efeitos sonoros que brinca a todo momento com o contraste entre imagem e som. A seqüência em que Charles Arpel estaciona seu carro, enquanto o velhinho levanta o braço para evitar uma colisão e, ao mesmo tempo, interrompe o som é genial. Como dito anteriormente, esses efeitos são importantíssimos para a compreensão do que está acontecendo e para a construção geral do longa.

Não lembro onde li algo sobre músicas que pode ser repetido para os filmes: “aquela que você ouve e gosta instantaneamente, ouvirá um mês e irá enjoar dela; agora aquela que você vê e não sabe se gostou ou não é a que ficará marcada para sempre”. É bem essa a sensação de ver Meu Tio hoje, depois de tantos anos e tantos filmes lançados e perceber, curiosamente, que apesar de falar de tecnologia é mais atual que muitos trabalhos lançados hoje. É o tipo de filme que vamos assistir mais de uma dezena de vezes e gostar de todas elas, cada vez mais.

Comentários (1)

Alexandre Marcello de Figueiredo | segunda-feira, 06 de Maio de 2013 - 20:53

A modernização em xeque. O chafariz em forma de peixe que jorra água toda vez que alguma visita toca a campainha é de uma tolice ímpar. O filme pode desagradar alguns por ser lento e ter poucos diálogos, mas vale ser visto.

Faça login para comentar.