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Críticas

Cineplayers

O teatro musical no cinema.

7,5
Enquanto, por volta da década de 1950, o cinema musical ia perdendo sua força como um dos principais gêneros produzidos em Hollywood, o teatro musical inglês e americano se mostrava cada vez mais interessado em construção de narrativa e personagem. A aliança entre uma Hollywood desinteressada no gênero musical e o crescimento de um teatro musical voltado para o storytelling encontrou nas adaptações do teatro a principal continuidade do gênero no cinema — e assim se manteve até pelo menos a década de 1990, quando as animações da Disney passaram a fazer o caminho contrário.

Seria injusto generalizar a produção que resultou disso. Alguns diretores buscaram no material original um diálogo com a linguagem cinematográfica, mantendo a especificidade autoral tanto deles mesmos quanto dos autores das peças. É o caso, eu diria, de Robert Wise, com A Noviça Rebelde, e Bob Fosse, com Cabaret. Há diversos outros exemplos, no entanto, de filmes que tentam se resolver na fidelidade ao material original, talvez temerosos diante do sucesso das peças, talvez satisfeitos com a escalação de um elenco cinematográfico (e aí podemos citar as adaptações de Guys and dolls, Gypsy e Hello, Dolly!).

Onde Carol Reed e seu Oliver!, ambos vencedores do Oscar em 1969, encaixam-se nesse sentido? Por um lado, como adaptação, o filme procura não se desviar muito da peça original. E há certa qualidade teatral na construção de cena: o filme se resolve em alguns cenários mais frequentes e há pouca noção de espaço fora do quadro. Ao mesmo tempo, Carol Reed complementa essa fidelidade com uma direção muito exata dos números musicais e dos personagens.

Na sequência inicial do orfanato, por exemplo, os garotos cantam e se apresentam para a câmera de Reed como se faria para a plateia de um espetáculo, mas o filme dá uma dimensão mais específica à sequência. Entre os cortes precisos e a sequência sem fim de escadarias e corredores, sem que nunca seja revelado o todo daquele cenário, podemos ficar com a impressão de que aquele orfanato abriga todos os garotos órfãos da Inglaterra, estendendo-se ao infinito, com cada um deles implorando por mais comida e, enfim, com apenas um deles, Oliver (Mark Lester), indo adiante pedir “Por favor, senhor, posso ter um pouco mais?”.

A encenação do teatro se junta, assim, à farsa cinematográfica de Reed. É um tipo de diálogo entre a proximidade ao material de base e a especificidade do cinema que encontramos hoje na obra de Kenneth Branagh. É a direção que nos habituamos a chamar de “clássica” por sua aproximação respeitosa à linguagem teatral ou literária. Oliver! expande o teatro musical como uma experiência cinematográfica e não deixa grandes lacunas em nenhum dos dois lados.

É desapontante, no entanto, que Carol Reed (que dirigiu espaços tão adequados para o imaginário cinematográfico quanto a Viena de O Terceiro Homem e a mansão de O Ídolo Caído) dê tão pouca atenção à Londres de Oliver! — indico Oliver Twist (1948), a adaptação de David Lean para o romance de Charles Dickens, para quem busca uma visualização mais completa da história, da cidade e do cinema. Os espaços do musical estão mais presentes como cenários para a performance dos personagens, que fazem bom uso do seu palco.

A apresentação de Dodger (Jack Wild, indicado ao Oscar pelo filme), conduzindo Oliver pela coreografia das ruas de Londres; o lamento solitário de Fagin (Ron Moody, também indicado); e a melancolia nos movimentos de Nancy (Shani Wallis) são todos momentos que se utilizam do gênero musical e da compreensão de Reed tanto do gênero quanto dos seus personagens para ampliar o universo, de outro modo monocromático, de Oliver Twist. Oliver! pode não se afastar muito do teatro musical no seu caminho para o cinema, mas não deixa de ser um bom exemplo de ambos.

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