Tendo visto todos os filmes de Terrence Malick, fica evidente a sua fascinação pela imagem, uma busca pela perfeição de maneira quase que poética. Associada a esta sua “poesia”, a natureza se transforma em mais do que apenas uma ambientação; é um personagem mais vivo que muitos de seus protagonistas. Se em Terra de Ninguém, a viagem dos dois protagonistas rumo ao desconhecido, mas, no fundo, a um destino previsível já buscava uma integração a natureza; ou em Dias de Paraíso, o triângulo amoroso e a menininha estavam inseridos em um ambiente naturalmente perturbador e realista – da ganância, ódio, inveja e etc – não é diferente neste Além da Linha Vermelha.
Primeiramente, deve-se encarar Além da Linha Vermelha como um filme sobre a guerra, e não um filme de guerra. Para Malick não é a crueza e violência da batalha o que realmente importa e, sim, suas conseqüências na natureza, na sociedade, e nos combatentes que sofrem diretamente na pele toda essa vivência. Dito isso, é mais do que natural que Malick associe suas imagens de maneira com que elas passem os sentimentos daqueles que enfrentam a mata, as armas e os seus adversários. É a guerra pessoal contextualizada na batalha de Guadalcanal.
Sendo esta uma guerra pessoal, portanto, é necessária a presença de fortes protagonistas em cena, uma vez que em filmes “de guerra” é grande a importância de quem assiste se relacionar emocionalmente com os personagens. E aqui, Além da Linha Vermelha, comete possivelmente seu maior erro. A quantidade de personagens em cena é muito grande e isto resulta em duas coisas: subaproveitamento de bons atores – alguns atores hoje famosos que estavam em início de carreira – e, principalmente, na dificuldade do espectador se importar com eles e, até mesmo, dificuldade em acompanhar quem é quem. A decisão de Malick de não acompanhar um grupo de menos personagens até pode ser entendida, pois dessa maneira expande as visões individuais sobre a guerra, mas acaba implicando na atenção que o espectador dá ao filme – em vários momentos, personagens que nunca havíamos visto antes se tornam importante e antigos “protagonistas” somem do filme. Novamente, não é o conceito que é ruim, mas sim as conseqüências desta escolha – um filme mais longo, teoricamente, solucionaria o problema.
Claro que existem aqueles que são mais importantes e se sobressaem na tela; temos os mais variados tipos de combatentes nesta guerra, desde figuras mais recorrentes ao gênero até personagens mais complexos e complicados de serem compreendidos. Jim Caviezel faz o personagem mais interessante: um soldado de certa maneira conformado com a guerra. Conformado não com a existência do conflito – um mistério para ele como para Malick – mas com o que se seguirá a partir dele, e entra aí, primeiramente, a morte. A morte encarada de maneira natural, afinal é em decorrência dela que vem a aproximação com a natureza - algo que deve ser encarado com naturalidade. E é uma sensação de tranquilidade que o personagem de Caviezel passa, seja para com seus companheiros à beira da passagem para o outro mundo, seja para com a sua própria existência finita neste mundo.
O segundo personagem mais complexo fica por conta de Nick Nolte: interpreta um alto escalão do exército que só se importa com a vitória no combate. O personagem insano, devido ao seu descontrole na liderança, seria apenas mais um nessa linhagem de “duros comandantes” não fossem os motivos desta sua personalidade. Como bem diz o personagem em determinada cena - “em 15 anos esta é minha primeira guerra” – os motivos de sua natureza são provenientes do sentimento de não ser merecidamente reconhecido por toda sua dedicação ao trabalho e nunca ter tido as oportunidades com que sempre sonhou, até o ponto que sua frustração atinge o limiar da sanidade – ser comandado por alguém mais novo e com menos experiência. É o tipo de situação que se encaixa não só no contexto da guerra e, por isso, é um filme sobre os dramas pessoais; sobre as situações que podem vir a ser recorrentes no dia-a-dia de qualquer pessoa – claro que em outro contexto.
Outros personagens importantes são vividos por Sean Penn – o típico líder bravo que já não se importa mais com a guerra ao seu redor, por Elias Koteas - que vive um líder que não consegue ver seus comandados morrendo em campo – e por Bem Chaplin - um soldado que foi rebaixado por não conseguir cumprir com as expectativas do exército devido o amor à sua mulher. Nenhum deles consegue ser desenvolvido de maneira profunda devido ao pouco tempo de tela. As cenas em que o soldado Bell lembra de sua mulher, por exemplo, são visualmente belíssimas, mas carecem de emoção, pois quem assiste não consegue se importar muito com o personagem e seus dramas – e para não ser injusto, no ato final, existe uma cena que embora previsível consegue realmente emocionar. Os demais personagens não merecem devida atenção: são soldados bravos, soldados medrosos, líderes enlouquecidos pelo ambiente que os cerca e outros tipos usuais do gênero.
Esta crítica já se alongou bastante, mas o principal aspecto do filme não poderia deixar de ser relevado; seus personagens, mesmo que não plenamente desenvolvidos, são o motivo da obra existir e, mesmo que os problemas ocorram, é bastante satisfatório vê-los em ação seja para salvar suas vidas, a de seus companheiros ou encontrar um pouco de dignidade em tudo que estão vivendo – afinal seus inimigos também são serem humanos. É de maneira a retratar com perfeição todas estas situações que a parte técnica do filme também é bastante importante.
Malick adentra a mata, a água, o ar, o fogo buscando dar um sentido a tudo que o homem faz – e o que levou a humanidade a se tornar esse monstro autodestruidor. Sua câmera – sempre distante como se fosse um observador – está melhor do que nunca e Malick não perdeu o ritmo como pudemos ver no mais recente O Novo Mundo. A maneira com que captura o combate, a beleza de seus closes naturais e a dimensão natural que dá ao seu filme são trabalho de mestre. A expectativa para A Árvore da Vida não poderia ser maior – espera-se que Malick finalmente consiga se expandir, afinal seus filmes sempre possuem ótimo conteúdo, suas filmagens são belíssimas, mas impedimentos fazem com que fiquem aquém de todo seu potencial.
Por fim, surge a indagação final: o quão longe a natureza de nossa sociedade está da natureza primitiva? É o tipo de pergunta que não será respondida e, não possui uma única conclusão. Podemos afirmar, entretanto, que o combate – e outras fatalidades que acontecem no mundo – não vai de encontro à beleza dos, até mesmo, mais ferozes animais. São situações forjadas pela mente humana - pela ganância, ódio e inveja - que impedem o mundo de ser tão tranquilo quanto Caviezel e seu diretor o querem.
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