O círculo vicioso da vingança.
“De 'olho por olho e dente por dente' o mundo acabará cego e sem dentes.”
Mahatma Gandhi
Vingança. Um dos sentimentos mais destrutivos que o ser humano pode ter. Até que ponto vale à pena se vingar de alguém? A paz é possível entre dois povos que se odeiam faz séculos? Várias indagações podem ser feitas depois de assistir a grande obra-prima de Steven Spielberg deste século: Munique.
O filme aborda os acontecimentos após o massacre em Munique, onde onze atletas israelenses foram mortos pelo grupo palestino Setembro Negro. Israel decide matar todos os envolvidos no massacre. A reunião dos principais líderes políticos do país com a primeira-ministra Golda Meyer (Lynn Cohen) é emblemática sobre isso: “Toda civilização acha necessário negociar acordos com seus próprios valores.”
O homem que comandará essa reação israelense é Avner (Eric Bana) ex-segurança da primeira-ministra, e escolhida pela própria para a missão de alto risco. Esperando com grande felicidade o nascimento do primeiro filho com sua esposa (Ayelet Zurer) recebe o convite com certo receio, mas convicto que estará a fazer um grande ato para o país.
No decorrer do filme, a narrativa é “cortada” com cenas do atentado em Munique. A primeira delas é na viagem à Europa, onde Avner vai ao encontro com os participantes da missão. Olhando por cima das nuvens, e lembrando Munique, o personagem demonstra que seu ato tem aprovação divina.
E mesmo com essa certeza, a cena do primeiro assassinato, mostra hesitação e medo ao matar o “infiel”. É possível perceber que não é fácil tirar a vida de alguém, mesmo que um dos companheiros de Avner, Steve (Daniel Craig) diga: “Só me importo com sangue judeu.” Outra cena bastante significativa é a invasão de um condomínio residencial em Beirute, onde parte dos envolvidos no atentado são mortos. Mesmo que para os judeus, sejam apenas terroristas, eles também tem família, e no momento que o filho presencia a mortal brutal do pai, está nascendo mais uma geração marcada pelo ódio.
O momento crucial do filme é a conversa de Avner com um líder palestino. Aquele indaga por que lutar por uma terra seca, e este responde de forma bem clara: “Ter uma pátria é tudo.” Aqui, o personagem principal percebe que o motivo dos palestinos não é tão diferente do motivo dos judeus sobre o eterno conflito entre os dois povos.
A película é bastante feliz ao mostrar o desgaste psicológico de todos os envolvidos na missão. Eles começam a perceber que entraram num circulo vicioso, onde os que “caçam” também estão sendo “caçados”, e o pior: todos os homens que matam, são substituídos por outros piores, causando uma matança sem fim de ambos os lados. Não há vencedores, somente os que lucram com isso, o que é mostrado no personagem Lois (Mathieu Amalric). Todos os personagens se tornam figuras trágicas, a melancolia e vazio existencial reinam.
Avner é a representação cabal de todos os acontecimentos. A obsessão, a paranóia, olhar perdido do personagem mostra o quanto ele está perdendo a sua humanidade. Ao escutar a voz da filha, acende em Avner a chama da vida perante o horror da morte, mas ele sabe que tem que terminar o que começou, o que aconteceu em Munique tem que ser vingado. A narrativa não o deixa esquecer, nem mesmo na cena de amor com a sua esposa (por sinal, um dos grandes momentos do filme).
A trilha sonora de John Williams mais uma vez é excelente, assim como a direção de arte. E Spielberg mostra porque é um dos grandes cineastas da história. Um filme triste, corajoso, provocador, que faz questionamentos sobre os rumos da nossa civilização. Imperdível!
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