Inspirada pelas altíssimas cifras obtidas com o lançamento daquele que seria o segundo capítulo da trilogia do Cavaleiro das Trevas, a Warner não conseguiu se conter assim que a mente “prodigiosa” do diretor Christopher Nolan lhe ofereceu a ideia de como reinventar um dos mais famosos super-heróis dos quadrinhos e inseri-lo num contexto moderno e, assim, atraente para o público atual. Com o aval do estúdio, Nolan convocou seu parceiro David S. Goyer para desenvolver o roteiro dessa releitura da história do Super-Homem que, depois de todo o processo inerente a criação de uma obra desse porte, estreou nos cinemas mundiais como mais um enorme sucesso financeiro.
Por ser um reboot da saga cinematográfica iniciada em 1979 por Richard Donner, bem como inspirado em um dos personagens mais conhecidos dos quadrinhos, não será preciso descrever toda a história por trás de "O Homem de Aço" além do usual, isto é, de que o Super-Homem foi enviado para a Terra, ainda bebê, em razão da destruição de seu planeta de origem, Krypton, sendo adotado pela família Kent por aqui. Após a descoberta de seu paradeiro, o General Zod (Michael Shannon), uma espécie de kriptoniano ultranacionalista, desembarca em nosso planeta atrás do pequeno Kal-El, agora com 33 anos e sob o nome Clark Kent.
Mas ao contrário do clássico protagonizado por Christopher Reeve, esta versão prefere navegar por águas mais tormentosas e seguir o exemplo deixado pela recente saga do Batman, tornando-se, assim, uma espécie de consequência do gênero “super-herói sério” inaugurado por Nolan em 2005. Contudo, o avançar da projeção demonstra que essa vertente mais contextualizada não passa de uma falácia dita pelos produtores para atrair mais público, uma vez que os supostos conflitos psicológicos do personagem são logo deixados de lado em prol de uma sucessão de cenas de ação altamente infladas.
Melhor dizendo: o problema não reside no abandono das indagações existenciais feitas pelo protagonista durante boa parte do filme, mas sim na qualidade com que as respostas são dadas e postas na tela. Primeiramente, o longa tenta desenvolver o caráter de salvador da humanidade do personagem por meio de uma série de desnecessários paralelos com a figura de Jesus Cristo, seja pela própria idade de Clark (33 anos), seja pelos pretensiosos sermões dados tanto por Jor-El (um muito bem escalado Russell Crowe) quanto por Jonathan Kent (Kevin Costner, outro bem escalado) sobre o fato de ele ser a esperança dos humanos, ou seja por pequenas cenas simbólicas, como o campo / contracampo na igreja (com as figuras de Jesus e da cruz ao fundo do diálogo) ou daquela em que ele sai da nave para resgatar Lois com os braços abertos, simulando a posição de Jesus no crucifixo. Apesar de soarem interessantes no início, essas referências se mostrarão ilógicas dentro da linha narrativa adotada pelo filme futuramente, como será exposto mais adiante.
Em segundo lugar, todo o conflito psicológico do personagem sobre ser um homem extraordinário em um mundo de seres ordinários é pifiamente resolvido num mero diálogo com a tal da “consciência materializada” do pai biológico. Ou seja, de um homem repleto de dúvidas sobre a sua natureza e seu papel na Terra, Kal-El logo torna-se um ser completamente resolvido e ciente de todos os motivos que o levaram até ali, como se toda a problemática fosse passível de ser solucionada num bate-papo rápido.
Para piorar, "O Homem de Aço" ainda apresenta sérios problemas em manter a sua narrativa coesa e envolvente do início ao fim. Após a longa introdução em Krypton, num conjunto de cenas que parecem ter saído da nova trilogia do Star Wars, a estrutura narrativa do filme se vale de uma bizarra elipse de 33 anos para, logo depois, encher os eventos seguintes de flashbacks (!), um recurso raramente eficiente e, aqui, idealizado de forma totalmente errada. Afinal, qual o motivo de se avançar 33 anos para depois ficar voltando constantemente ao passado? Com isso, os respingos que vemos de Clark enquanto jovem jamais criam um elo emocional com o espectador do filme (isso sem falar na tosquíssima cena final de Jonathan Kent, desde já uma das piores do ano), tamanha a falta de naturalidade com que são inseridos, motivo pelo qual o desenvolvimento dos conflitos do personagem, mencionados anteriormente, são tão canhestramente resolvidos pelo roteiro.
Quando tudo já não caminhava bem, o filme ainda consegue proporcionar momentos de absurda incoerência em seus minutos finais, especialmente no tocante às referências messiânicas citadas mais acima. Fala-se, é claro, da descomunal batalha final entre o Super-Homem e o General Zod pelas ruas e prédios de Metrópolis. Tirando o fato de que ela mais parece uma cena oriunda de um dos filmes do Transformers, em virtude da quantidade de destruição de prédios por segundo, a sequência também se mostra totalmente contrária à linha “salvador dos humanos” que vinha sendo adotada até então. A razão é simples: o Superman demonstra enorme preocupação com a vida de meia dúzia de pessoas, enquanto que, momentos antes, aniquilara milhares delas com seu pingue-pongue destrutivo pela cidade.
Com tanta inabilidade em misturar pura fantasia com temas mais complexos, "O Homem de Aço" denuncia a necessidade desse gênero cinematográfico respirar fundo e não se preocupar tanto em tecer um pano de fundo tão sério em algo que não foi concebido para ser o suprassumo da psicologia.
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