Pobre país miserável
Brecht tem uma das máximas em que eu mais me apóio; uma sentença que determina, designa bem o que aproxima um povo de sua ignorância e complacência diante de sua fraqueza: "Infeliz a nação que precisa de heróis".
Os gregos atribuem o herói como uma figura arquetípica que reúne em si os atributos necessários para superar de forma excepcional um determinado problema de dimensão épica. Um protagonista de uma obra narrativa ou dramática. Para eles, o herói situa-se na posição intermédia entre os deuses e os homens, sendo, em geral filho de um deus e uma mortal ou vice-versa. Portanto, o herói tem dimensão semi-divina na cultura grega.
Afinal de contas, Senna foi um herói ou um produto da Rede Globo? De uma coisa podemos ter certeza: o esporte que ele praticava é de um elitismo sem precedentes. Então, de onde surgiu esse mito, já que esse “herói” não poderia ter surgido do povo? Uma resposta sabemos, pois, como a massa interage-se diariamente com os meios televisivos certamente foi persuadida em tornar esse homem um deus.
Pobre povo miserável que sente tanta necessiadade em possuir um piloto de carros como exemplo de herói. Senna não se metia em discussões políticas. Uma de suas únicas declarações a respeito, soava com um viés demagógico de fazer arrepiar: "Os ricos não podem continuar a viver em ilhas cercadas por um mar de miséria. Respiramos todos o mesmo ar". Pois bem. Como todos sabem os ricos brasileiros, não vivem em ilhas. Frequentam shopping Center, andam de iates, pilotam jet ski, viajam de avião em primeira classe, desfilam no sambódromo...
Os entrevistadores de Senna sempre mencionavam suas atividades beneficentes, embora ele próprio, como bom cristão, evitasse ostentá-las. O Instituto Ayrton Senna, criado depois de sua morte, é bem menos modesto. Proclama que, até hoje, já atendeu 4 milhões de crianças. A idéia é que a responsabilidade pelo atendimento social não é só do governo, mas também de empresas e do resto da sociedade.
Se Bernard Shaw ainda fosse vivo, ele, sem dúvida, não hesitaria em defenestrar Ayrton Senna. Em 'Socialismo para Milionários', Shaw argumenta que os milionários devem se recusar a doar seu dinheiro à caridade, porque ele tem o efeito maléfico de desobrigar o governo de cumprir sua função. Ou seja, o contrário do que defende o Instituto Ayrton Senna. Segundo o dramaturgo irlandês, as esmolas doadas pelos milionários são concedidas para livrar sua consciência e melhorar sua posição social. O rico compra um crédito moral assinando um cheque.
Alhures, como piloto, desportista, nacionalista, cidadão... Senna realmente foi um bom homem.
Pobre país miserável, o nosso.
Se você quis criticar os problemas do país, concordo. Agora, se quiser criticar Ayrton Senna, aí não concordo. Seu texto não deixou essa última parte clara. Me explique.