Uma jovem moça, atéia, militante do partido comunista e marxista típica, entrando numa igreja para provocar um padre e disparar, no confessionário, a famosa frase “A religião é o ópio do povo” soa, no mínimo, instigante. Apesar disso, mais instigante e surpreendente é a relação que estes dois personagens (tão antagônicos), o padre e intelectual Léon Morin (Jean-Paul Belmondo, soberbo) e a comunista Barny (Emmanuelle Riva) vão construir no decorrer do filme.
Léon Morin, prêtre (1961), traduzido porcamente para “Amor Proibido”, é o sétimo filme deste que é talvez o melhor cineasta do cinemão francês: Jean-Pierre Melville. Pouco conhecido, apesar de ousado e bem à frente de seu tempo, seja pelos diálogos afiados sobre espiritualidade, fé e crenças, quanto pela trama em si, bastante original e repleta de tensão sexual, esse filme merece a tag de must-see.
Com diálogos ricos, uma narrativa ousada e personagens críticos (cínicos) e conscientes de suas escolhas morais (pelo menos até certo ponto), Melville construiu um excelente exercício de reflexão sobre a existência de deus e a forma como lidamos com a fé, através de uma relação pouco usual no cinema.
Mesmo ateu, gosto da ideia de que cada um pode enxergar e sentir deus à sua maneira, e é nesse aspecto que achei este filme do Melville bem provocativo. Exemplo disso é quando em uma determinada cena, o padre Léon Morin afirma que Barny, a protagonista marxista e atéia, está mais próxima de deus que os seus paroquianos, alfinetando a superficialidade com que as pessoas lidam com a própria espiritualidade/fé, o que é bastante comum tanto no cristianismo quanto em outras religiões, seja por desleixo, seja por ignorância.
A trama, inclusive, é algo que sempre quis ver há muito tempo: um confronto espiritual/ideológico direto entre um marxista e um cristão esclarecidos, onde os pontos de vista de ambos tivessem o mesmo nível de consistência e profundidade. Isso porque é fácil tanto para um ateu quanto para um cristão acusarem um ao outro de ignorantes usando pensamentos prontos, carentes de argumentação e criticismo. Nesse aspecto, o filme do Melville tem bastante credibilidade.
Com um preto-e-branco de encher os olhos e cortes que são típicos do diretor (assumidamente fã do cinema noir americano), Léon Morin, prêtre é ainda um filme bastante delicado, já que a relação entre os protagonistas evolui, transcendendo as questões filosóficas e se transformando numa paixão que se percebe presente, porém oculta. Além disso, o contexto histórico em que os personagens estão inseridos (França durante a ocupação nazista) ganha uma tonalidade secundária, onipresente, tamanha a intensidade da relação entre eles.
Anos-luz distante do que vemos hoje em dia nas discussões sobre ateísmo, sobretudo na era Facebook, onde os xiitas do novo milênio pregoam o ateísmo como uma nova religião, viralizam chavões e situações fora de contexto em um oceano de senso-comum, subestimando a liberdade do outro em ter suas próprias crenças ou ter sua própria espiritualidade, Léon Morin, prêtre me pareceu um filme bastante oportuno.
Outras indicações desse nobre diretor: Le Samouraï (1967) e Le Cercle Rouge (1970)
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