O terceiro filme da franquia “Jogos vorazes” chega ao cinema de forma corajosa e competente, sendo um bom entretenimento para o público jovem. A esta altura, todos já sabem a história de Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) e sua saga em unir os distritos contra as formas de opressão impostas pela Capital, responsável por manipular a mídia, promover a desigualdade no acesso às riquezas e comandar os temíveis jogos (ideologia para que os distritos se vejam sempre em tom de competição, como ocorre, por exemplo, no futebol, obviamente em outras proporções, mas de igual fundamento).
Há que se destacar as atuações (o filme é de Lawrence) e o capricho na produção deste capítulo. O tom sombrio, os destroços quando a base é invadida, os meios de transporte e de comunicação, tudo faz imergir àquele mundo fantasioso. Inclusive, a divisão deste capítulo em dois foi aproveitada de forma satisfatória, para aprofundar os personagens. Tudo direitinho, inclusive nos diálogos que remetem aos tons políticos do século XX, de um lado o fascismo e de outro a massificação da informação.
O grande problema da obra é que o argumento contem furos que apenas se encaixam se tivermos muita disposição para aceitar a superficialidade traçada pela história, afinal, feita para introduzir os jovens neste dilema. Sendo assim, toda a problematização se faz ao nível de discurso. O que se quer dizer com isso é que a política se aparta de qualquer ideia de materialidade e de sopro de vida e necessidade que se podem vislumbrar no controle daqueles corpos humanos: não se questiona o artefato bélico à disposição dos distritos, seus níveis de suprimento, a tecnologia fantástica que dispõem. As armas, as construções, enfim, tudo parece tão natural. De certa forma, a alienação tão questionada está presente para quem quiser conferir, só não espere isso do roteiro. O objeto questionável, torna-se, ele mesmo, a imagem que aqui consumimos.
Da mesma forma, o lado da Capital também tem ao seu dispor todo um aparato técnico, e a política se aparta da realidade concreta para dar voz a ela mesma. Com isso, “Jogos vorazes” é um embuste, pois seu discurso se assenta num simulacro de imagens e de posições de poder que jamais ganham força além de toda aquela superficialidade. Para piorar, líderes e todo o grupo revolucionário ficam demasiadamente à mercê da decisão individual de Katniss, por exemplo, e isto só serve mesmo para reforçar o que o filme se propõe (ao contrário), pois ao questionar a individualidade versus a massificação, se utiliza de elementos óbvios, românticos e de fácil assimilação.
No entanto, ainda que apartado do mundo do trabalho e da origem de todas as construções sociais que obviamente sustentam qualquer tipo de agrupamento humano, o roteiro inteligentemente não se torna maniqueísta a ponto de deflagrar uma guerra do bem contra o mal. De fato, tanto de um lado quanto de outro se está à mercê de pessoas, de grupos, de discursos que se digladiam pelo poder. A interpretação dúbia da protagonista não apenas convence, mas é realizada de forma magistral, e não sabemos ao certo a que fundamentos se sustentam os discursos da liberdade e da opressão. Neste sentido, reviravoltas podem ser pressentidas, e o roteiro acerta em suas escolhas, em deixar a dúvida tomar conta, em valorizar o telespectador instigante.
Pelo menos, é bem mais reconfortante saber que os jovens podem introduzir tal discussão a partir de tal obra, do que provavelmente tentar extrair algo de mais densidade em séries como Crepúsculo, por exemplo. Neste sentido, ao lado de “Divergentes” e “Maze runner”, estes “Jogos vorazes” se apresenta como o mais completo, o mais bem produzido, ainda que falho em seu sistema de referência.
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