Lady Bird poderia ser mais um típico filme de adolescentes ao estilo de “As vantagens de ser invisível” ou “Juno”, com personagens se descobrindo, tendo que amadurecer etc. No entanto, a graciosidade da direção e as atuações, bem como algumas sacadas das falas e roteiro, tornam este filme bem especial.
“Não seja tão republicana”, diz a protagonista em certo momento. É o tom da película. Vivendo numa sociedade norte-americana do início do século XXI, ambientado em 2002, à época do pós 11 de setembro, trata-se de um ambiente cujos valores precisam ter que se sustentar, prenúncio à crise da bolha de 2008. No acirramento econômico e na escassez de recursos (em um momento do filme, pai e filho disputam a mesma vaga de emprego), com contas a pagar, poucas oportunidades, a verdade é que o sonho do “American way of life” está firme e forte, a vontade de “ser alguém”, de fazer uma faculdade, ter um emprego, mistura-se também a toda cultura cristã, que dita regras sobre o corpo e sexualidade. O catolicismo aqui tem papel fundamental, embora cada vez menos presente como voz altissonante dos personagens retratados.
O mais interessante da obra é perceber o quanto Lady Bird vai se tornando independente sem contudo abandonar suas origens. A relação com a mãe, milimetricamente construída, é o que há de melhor no longa, assim como os demais vínculos: a escola católica, o ex namorado, a sua melhor amiga, a primeira vez nada glamurosa, tudo contribui como experiência e formação do eu.
Essa busca por ser alguém é muito mais para projetar uma auto-independência do que uma independência em relação aos outros. Na verdade, pra quem espera um filme egocentrado talvez se decepcione. Por exemplo, quando Lady Bird vai à outra cidade morar só, logo conta com a ajuda de terceiros. Esse subtítulo brasileiro, “hora de voar”, está mais para traduzir a nossa cultura herdada de Portugal, como diria Sérgio Buarque de Holanda: brasileiro gosta da expansão, ainda que desordenada e não racional. Por outro lado, o filme trata da busca de si mesmo, e de quanto o vínculo passado nos molda (já foi citado aqui a construção especial do vínculo com a mãe), cujo voo está mais para aprimoramentos ainda vinculados.
E toda essa construção de si se dá muitas vezes sem pensar. É primorosa a cena em que mãe e filha choram ao ouvir “as vinhas da ira”, e um segundo após, todo aquele sentimentalismo evapora-se na simples menção em refletir sobre ele. Não há tempo para reflexões. O mundo exige de você cada vez mais praticidade. Lady Bird fala que não tem nenhum talento especial, em tom de lamento. E de fato, talvez não tenha. E nem precise ter. Como diria Fernando Pessoa, “estou farto de semideuses”. Lady Bird é a adolescente chata e comum, com uma história banal até, que poderia muito bem ser a sua vizinha medíocre. Ou mesmo você.
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