Baseado no clássico "A fera na selva" do Henry James, o escritor oitocentista ainda está estupefato pela racionalização da sociedade burguesa, e captura um sentimento que ainda estava germinando: a eterna ansiedade, na busca por algo que nunca se concretiza.
Essa ansiedade é fruto da nossa obsessão por tentar racionalizar e prever nossos atos, e isso se vale desde domar as paixões até aspectos mais macro (o socialismo seria o ápice do pensamento instrumental domesticado). Com isso, a fera está ali, à espreita, no que Freud chamaria de impulsos de vida e de morte, tornando-nos mais irracionais do que gostaríamos.
Assim, Bonello atualiza o conto em três momentos distintos, do mais precário quanto aos avanços tecnológicos até o momento em que dispomos de inteligência artificial para tentar apaziguar nossos medos mais íntimos e nos tornar exemplares corretos do "homem-econômico", cujo cálculo está à palma da mão.
Enquanto Henry James mantém-se otimista e opta pela redenção ao amor, em pleno século XXI não há mais espaço para histórias de contos de fada. Não há salvação. O medo, a mor, a ansiedade, a inveja (a cena dela quebrando o vaso por puro deleite), todos são indomáveis, e como diria, novamente, Freud, é um "mal estar da civilização" a que estamos condenados.
A chave de tudo é ver-se espantado com o que nos torna humano mesmo, com nossos sentimentos, eclipsado pelo forte sol da razão. E não será a IA, muito menos a arte que irá nos redimir. O futuro? Não sabemos. O filme tenta assim ser um contraponto a Henry James no pior sentido, pessimista, frio. Falha no ritmo e na atuação algumas vezes, mas seu espírito sóbrio e desesperançoso resta intacto.
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