Brandon Cronenberg pega o que há de melhor no trabalho do pai e vai inserindo camadas existencialistas, pois enquanto acompanhamos as bizarrices a que o protagonista é posto, como piscinas de sangue (que dá nome ao título) e uma trama num lugar paradisíaco e macabro, com direito a clonagem humana, tudo aqui é subterfúgio para mostrar o quanto uma pessoa é um complexo de identidades e desejos, e o que é pior, todos somos descartáveis, não apenas para os outros, mas para nós mesmos.
Pode-de dizer que David Cronemberg ainda se inseria numa visão moderna, embora crítica. Moderna porque ainda havia ali um desejo de encontrar-se. Como em Kafka, em "A mosca" o Cronemberg pai se debatia com o misterioso para tentar encontrar-se, e embora a tentativa seja meio frustrada, mostrando o abismo a que nos metemos, o resultado é um monstro indomável. Ainda há uma tentativa de refletir para que caminhos estamos seguindo em "Cosmópolis", e os horrores que os traumas nos causam em "Crimes do futuro".
Aqui o olhar de Cronemberg, o filho, está ironicamente mais didático e mais pessimista, sabe-se que não iremos a lugar nenhum, não adianta sequer preservarmos nossas memórias e nosso corpo. Não há subterfúgios, não há mais liberdade. Finalmente abraçamos a pós-modernidade, em suas veias livres para a sensação, para viver o sexo, o desejo, o mundano, a morte em suas mãos, o sangue numa piscina infinita. As sensações estão todas postas, e você que arque com as consequências, ou não. É um mundo onde não há mais referências, não há mais onde se encostar. Enquanto antes a moral ainda tinha uma sobrevida, aqui não há mais nada concreto, é tudo perene, como diria Marx, "tudo que é sólido se desmancha no ar".
Assim, a sua identidade pouco importa, pois a bem da verdade, não há identidade, aliás, não há amis verdades. Tudo aquilo que somos são não apenas forças das circunstâncias, mas frutos de um acaso que sequer temos controle. É como se o avanço da ciência, que permite clonar, liberasse monstros sim, mas também liberasse apatia, um tremendo "foda-se", um tédio, pois se temos mais matéria à nossa mão, também temos mais caminhos e mais vazios. É um mundo de busca e insatisfação suprema, sem saídas, mas também um mundo onde nada disso importa.
A busca pela identidade, pela resolução, torna-se inócua. Veja quando ele se depara com aquelas pessoas que estão cientes de que pouco importa se são as cópias ou seu ser verdadeiro. O que resta, além do ressentimento, é a sensação do presente, é fazer a leitura do mundo e tentar sobreviver na medida do possível. Nossos monstros foram soltos, domesticados, e finalmente domados, sem propósito, mas também a perigo, pois estamos mais vulneráveis. E aí que está: não há mais perigo na morte torna-se inevitável, ou mesmo uma esperança.
Nesse mundo de infinitas possibilidades, a "piscina infinita" remete àquilo que somos, àquilo que podemos ser, ou mesmo àquilo que deixamos de ser. É a nossa identidade forjada sendo desmascarada num "mar de ilusões", mas é piscina porque é enclausurada, à medida que também somos limitados e convivemos com nossas limitações. Cabe a nós saber sobreviver e não surtar, já que somos uma ínfima gota neste oceano, ou melhor, em nossas piscinas particulares.
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