Confesso que eu gosto de cinema explícito, que se abre ao mundo, despudorado. No entanto, a proposta do Walter Salles aqui, corretamente adaptado da obra do Marcelo Rubens Paiva, é fazer da Eunice Paiva, personagem vivido magistralmente pela Fernanda Torres, uma Fortaleza em suas emoções, durona, contida, mesmo com tantos motivos para desabar. Com isso, é um trabalho muito acima da média, seja do roteiro ou da atuação.
No dia 20 de janeiro de 1971 essa família comum, alegre, com o primeiro terço do filme uma pintura , mostrando seu cotidiano e a humanidade que brota daquele lar, vera seu brilho apagar numa ação irreparável da ditadura militar. Como o patriarca da família era um ex-deputado do PTB, provavelmente com relações comunitárias com os considerados "subversivos", ele será mais um vítima de um sistema que deixa sequelas até hoje (e olha que tem muita gente que votou nas eleições de 2024 em quem elogia AI-5, por exemplo). É o Brasil que precisa sim reparar danos históricos e, principalmente, revisota-los, porque os mesmos erros já estão sendo cometidos no presente. A presença do fascismo é real.
Mas ao optar por não se entregar ao melodrama fácil, a matriarca vai querer sorrir na foto feita ao jornal "Manchete" (tablóide da época), resiliente. É seu ato íntimo de resistência. Os filhos estão ali para mostrar o poder dos laços de parentesco, e de como a vida deve seguir, mesmo com uma dor incomensurável.
Fernanda Torres está gigante. Fernanda Montenegro também entra em cena, e com o olhar expressa tudo e um pouco mais. É um filme para ver os fantasmas da nossa história, tão presentes hoje quanto há 50 anos atrás. "Ainda estou aqui" é sobre essa memória que persiste com o tempo, de entes queridos ou da opressão, como nas sábias palavras de Umberto Eco nos alertando que o fascismo sempre está à espreita. Filmaço, desses de dar orgulho. Obrigado, cinema nacional, por isso. E fogo nos fascistas!
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