A decisão de iniciar o filme com o Pantera negra morto (por conta de eventos externos ao universo da Marvel), por si, já é uma bomba. Os fãs xiitas, daqueles que reclamam de cor de cabelo da personagens, certamente teriam muito o que reclamar aqui. Acontece que cinema com C maiúsculo é muito mais do que adaptar literalmente um quadrinho, um livro, ou contar uma história. Eu, sempre crítico aos filmes da Marvel por tornar seus heróis e vilões muito unidimensionais em certos filmes, fui surpreendido positivamente e pego pelo coração por wakanda.
O primeiro filme se destacou pelos elementos técnicos, como figurino e produção. Aqui, a produção continua impecável, embora com alguns figurinos questionáveis. Mas a mudança no roteiro e, principalmente, as dimensões que os personagens ganham em torno do luto, ficaram simplesmente perfeitos. Vou tentar pontuar os elementos.
Primeiramente, destaco aqui a relevância dos argumentos discursivos em torno de Shuri (a irmã do Pantera original), um verdadeiro show de interpretação e de humanização real. Ela, que tem um discurso técno-científico, se vê em algum momento questionando sua tradição e seus valores. A forma como a personagem é construída até a cena final é de aquecer o coração e está muito superior a qualquer coisa que eu já vi vindo da Marvel.
O antagonista, então, Namor, e todas as origens daquele povo, me fizeram vibrar na poltrona do cinema, simplesmente espetacular a referência ao povo Maia e à forma como a história foi contada.
A menina cientista, também muito carismática, porém, ainda me incomoda esse humor pastelão da Marvel, e parece que sobrou pra ela representar aqui o que há de pior no universo: as forçadas de barra com diálogos ruins e tentativas de fazer piadas. Ao menos ela tem pouco destaque, já que era pra ser nesse nível, e não compromete o saldo total.
O embate entre os dois mundos, o fechamento do arco e início de um novo ciclo, tudo está muito bem feito. É um erro achar que "Wakanda forever" se sustenta apenas no luto, há aqui todo uma discussão sobre geopolítica (muito mais realçada neste) em suas posturas em relação ao resto do mundo, bem como fragilidades e limites, alianças que se fazem ou podem ser rompidas, e a importância não apenas do material (vibranium), mas sua forma de uso e o conhecimento, com estratégias que pensam sobre fragilidades do opositor. Ao mesmo tempo em que há a postura social dessas nações, embates e aspirações individuais se constroem (a história de Nakia, por exemplo, seu afastamento repentino, seu retorno, suas escolhas de vida).
É um filme de muitas camadas, e pra tudo isso, o ritmo diminuiu (pra desagrado de quem gosta de brutalidade) em função da construção de todo aquele universo, épico do início ao fim.
É estranho escrever isso, pois como falei, sou um detrator da Marvel pelos motivos que já citei aqui, mas não tem jeito, "Wakanda forever" é um grande feito, um cinema que consegue unir a fantasia e a ação com dramas pessoais e discussões sociais de peso, entregando-nos um entretenimento de muita qualidade.
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