Quem classifica Woody Allen como ultrapassado ou suposto "ex-cineasta em atividade" sofre na observação da "visão geral", para parafrasear Boris Yellnikoff, personagem vivido por Larry David, em sua estreia na telona. Sim, Tudo Pode Dar Certo recicla duas ou três fórmulas criadas pelo próprio diretor - não o todo -, mas de modo tão delicioso quanto a maioria de seus trabalhos, que, não se engane!, são repetitivos desde a década de 80. Desta vez, porém, Allen oferece seus poderes de rabugentice ao novo pupilo.
Numa visão ampla, essa é uma das únicas diferenças em relação a outras obras. Soaria, talvez, muito mais do mesmo colocar-se novamente diante da câmera e reclamar da irremediável falta de instrução e equilíbrio da população, como em ocasiões ainda vivas em nossa memória - Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, por exemplo. A presença do também já idoso David dá um frescor e estilo interessantes à construção do enredo, embora faça tudo para copiar o mestre: trejeitos, ironias, distúrbios emocionais...
A grande virtude de Whatever Works (simpático título original) é ser pessimista à primeira impressão, para afugentar logo os que não querem saber de exercitar a mente um tantinho sequer, com o longo plano inicial. Mais do que nunca, a acidez de Allen está presente e dá apressadamente o ar da graça. Mas, por trás dos panos, não é difícil identificar sua mensagem dúbia de otimismo, mesmo com, digamos, certa parcimônia - há suicídos e afins. Sim, quando parece pisotear em tal estereótipo, Allen quase sempre, na verdade, presta-lhe grande homenagem, como no caso dos "feel good movies", que desembarcam em nossas casas a cada Natal.
Em contrapartida, a aceitação de tudo o que a vida lhe dá é uma aceitação curiosa e, na tese de Allen, difícil de engolir.
O encerramento do filme conta com a trilha sonora que marcou época em "A Felicidade Não Se Compra", de Frank Capra (oposto deste nova-iorquino de Manhattan), obra-prima já revisitada inúmeras vezes para saudosas referências, que também ocorrem a "E o Vento Levou..." nessa produção. Além disso, Tudo Pode Dar Certo reserva ótimas tiradas e situações hilárias, como, acredito, já não se esperava mais de Allen, cujas tentativas ultimamente têm sido de expandir sua arte à tensão de assassinatos premeditados e, sobretudo, o inextinguível assunto da complexidade do amor.
Digerir, direcionar ou questionar a solução para a base da história é relativo. Com Allen, é preciso se deixar levar - apesar de, no fundo, faltar inovação. E, com esse filme, isso é absolutamente possível. Evan Rachel Wood, em excelente papel, que consegue não ser irritante, é Melody, garota que aparece sem mais nem menos na porta de Boris, pedindo abrigo temporário. Ela se apaixona, aos poucos, pela genialidade (obviamente não foi pelo dote físico ou pelo jeitão não descolado de ser) e características que acostumou-se a não ter por perto no longínquo Mississippi.
Há elementos de sobra em discussão no roteiro, sempre ótimo. Possivelmente até mais do que de costume. Tratados com o devido desrespeito, para o que Allen tem licença poética intacta, desenvolvem o filme com ritmo bastante regular. São apenas 90 minutos de projeção, e o diretor jamais precisou de muito mais para expor o que quis. Em relação aos outros personagens, ótimos em cena, o nome coadjuvantes - não menos relevantes para a afirmação da tese do "tudo pode dar certo" - lhes cabe com a distinta perfeição. Não exija que Allen fuja de seu centro, algo primordial para construir a força de seus protagonistas.
Falhas? Quem sabe? É claro que não se analisa, aqui, o melhor projeto do diretor, mas conta, sim, com umas pitadas diferentes, e faz o público (caso não esteja de mau humor!) divertir-se e sair do cinema com um sorriso no rosto. De volta ao item do terceiro e quarto parágrafos, a mensagem do título fica bem clara: o que quer que aconteça na vida, por mais estranho, por meio da casualidade, crença ferrenha de Allen, pode dar certo. Portanto, não ignore. Até o gênio cego Boris sabe disso.
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