‘’O Hobbit’’ é um livro de fantasia infanto-juvenil escrito por J. R. R Tolkien e publicado em 1937. Inicialmente, foi feito para agradar os próprios filhos, sem grandes pretensões de se tornar um ícone literário. Encorajada pelo sucesso, a editora começou a pressionar Tolkien por uma sequência. A partir de então, foram anos e anos escrevendo sobre essa mitologia. Vários contos, ainda que não terminados e só publicados oficialmente décadas depois pelo seu filho, Christopher, foram escritos, desenvolvendo o universo da Terra-Média e vários outros personagens. Dentre esses contos, podemos citar ‘’O Silmarillion’’, ‘’Contos Inacabados’’ e ‘’As Aventuras de Tom Bombadil’’. Todos esses anos de desenvolvimento e expansão do universo mitológico criado em ‘’O Hobbit’’ culminou, em 1954, na publicação de sua obra-prima, ‘’O Senhor dos Anéis’’ (que inicialmente era um livro só, mas a editora preferiu dividi-lo em três, por ser muito grande, estendendo a publicação até meados de 1955).
Isto posto, acredito que seja louvável a iniciativa do diretor Peter Jackson em reunir, em torno d’O Hobbit, todas essas histórias que acabaram ficando ‘pelo meio do caminho’. Ainda mais considerando que, ao contrário da cronologia da ficção, ‘’O Senhor dos Anéis’’ veio ao cinema antes de ‘’O Hobbit’’, ou seja, a sua obra-prima, mais densa e complexa, veio à linguagem cinematográfica antes daquela menos desenvolvida, menos pretensiosa e mais simples, tornando, portanto, o público mais exigente. Dessa forma, acredito que esteja absolutamente justificado o porquê da adaptação de um livro tão pequeno em três filmes. Era necessário dar uma encorpada na história, um aprofundamento maior em seus personagens, para poder colocar essa nova trilogia no patamar mais próximo possível de ‘’O Senhor dos Anéis’’ (sim, para satisfazer o sedento público), ainda que a pegada seja mesmo mais infantil e caricata, independente dos ajustes feitos. Isso não tinha como mudar sem alterar a essência da obra. Dito tudo isso, vamos ao filme, que é, no caso, o que interessa.
O longa se inicia com uma pequena variação da tocante e já consagradíssima trilha sonora do Condado, e o protagonista, Bilbo, já velho, começa a escrever o livro sobre suas aventuras. É aí que entra um belíssimo flashback de introdução à história, no mesmo estilo da de ‘’O Senhor dos Anéis’’ (A Última Aliança), que já situa o espectador em qual período de tempo vai se passar toda a trama que iremos acompanhar, mostrando o início e o porquê de tudo. Já nessa primeira cena, podemos ter uma noção do quão bem realizados estão os efeitos especiais, mostrando a devastação de Erebor, antigo lar dos anões, por Smaug, o Terrível, um dragão. Tudo na maior precisão de detalhes possível. Essa precisão é, inclusive, uma das marcas do filme ao longo de toda sua projeção, com vários closes ousados nos personagens (destaque especial para os closes nos orcs e wargs, mostrando a magnitude dos efeitos CGI). Imagino como esses planos devem ter ficado espetaculares em 48fps!
Nem tudo são rosas, entretanto. O primeiro quarto do filme é bastante monótono e um tanto quanto arrastado, com longos minutos desperdiçados na reunião na casa de Bilbo, que poderiam facilmente ter sido encurtados. São quase quarenta até que o hobbit assine o contrato e finalmente saia do Condado com a comitiva de anões liderada por Thórin Escudo de Carvalho e Gandalf, dando início, de fato, à aventura.
Outro elemento que poderia facilmente ter sido cortado é a aparição de Radagast, o Castanho, um dos magos da ordem de Gandalf, que vive na floresta. Vindo do nada pra dar no absolutamente nada, sua presença é totalmente descartável, não acrescentando nenhum elemento à narrativa, ou em algum dos arcos dramáticos. Até o tal do ‘’Necromante’’, que surge como um dos possíveis mistérios do filme, é escanteado dali pra frente. Aliás, sua aparição é um exemplo clássico de ‘’Deus Ex Machina’’, tendo em vista que ele só serve para distrair os wargs que atacariam a comitiva, com seu ‘’trenó’’ puxado por coelhos, numa das únicas sequências em que o 3D funciona. Inclusive acredito que essa seja minha maior bronca; tecnologia muito mal empregada, com planos rasos, sem profundidade, constituindo erros básicos de quem pretende usá-la. Aqui, uma escorregada que pode ser colocada exclusivamente na conta de Peter Jackson.
Mas a partir de então, o filme engrena de vez e é conveniente afirmar que, no final das contas, o resultado é mais do que satisfatório. A reunião das histórias citadas no começo, e a sensibilidade do diretor em saber como encaixá-las no enredo de ‘’O Hobbit’’, servem para dar mais consistência à motivação dos personagens, principalmente Bilbo e Thórin, dotando-os de personalidade e conflitos internos ausentes na obra literária. O flashback do começo, mostrando tudo o que o anão-príncipe deve que passar depois do massacre de Smaug, e a dúvida do nosso hobbit-protagonista sobre matar ou não Smeagol são exemplos claros disso.
E por falar em Smeagol, a criatura, interpretada brilhantemente por Andy Serkis, mas trabalhada em CGI, mostra uma clara evolução do anterior (O Senhor dos Anéis) para esse; todos os detalhes são retratados com a mais absoluta precisão, do menor dos movimentos, à maior de suas dúbias revoltas (mais uma vez, isso em 48fps deve ter ficado inacreditável!). Os efeitos, como já colocado, se provam, novamente, extremamente bem realizados.
O humor, presente na obra de Tolkien, é usado de forma sutil, sem afetação ou caricato demais. As cenas de ação são bem executadas e superam as expectativas, com espaço de sobra para o crescente heroísmo de Bilbo e o desfile imponente de Gandalf em tela (e todo fã sabe, quanto mais Gandalf em tela, melhor!).
Um bom primeiro episódio para o que promete ser mais uma ótima trilogia de Peter Jackson nesse universo. Tudo tendo como pano de fundo os cenários deslumbrantes da Terra-Média; de campos abertos, ‘’à calabouços profundos e cavernas velhas’’, fazendo jus à canção dos anões no início do filme.
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