Saltar para o conteúdo

Artigos

Comentários: Festival do Rio (Parte 1)

Começou na última quinta-feira (5) a 19a edição do Festival do Rio. Para começar a cobertura confira comentários sobre 28 filmes da programação. A cobertura do festival está só começando!

Verão, 1993, de Carla Simón

Catálogo de lembranças e emoções rico em nuances como forma simples de embate ao melodrama que um filme neste formato implica. O filme de Simón opta sempre pela dormência e pelo prolongamento dos códigos como melhor saída. Nem sempre funciona, mas se concretiza como um filme pertinente sobre translocação e adaptação familiar.

As Misandristas, de Bruce La Bruce

O teenage flick de Bruce La Bruce carrega a didática explicativa à política revolucionária, orientação sexual e pornografia para celebrar a cultura feminista e abrangendo para à cultura  LGBTQ. A impressão é de ver Gregg Araki, John Waters e o próprio La Bruce reunidos em momentos de pouca inspiração, principalmente para nortear o maior ensejo de La Bruce entre seus habituais fetiches.

Adeus Entusiasmo, de Vladimir Durán

Filme sobre espaços e relações humanas remetendo ao grupo de cineastas/críticos da Cahiers du Cinéma dos anos 50 e 60, mas aqui os planos são fechados e a locação, um apartamento. As relações estremecidas são potencializadas pela arte. Um filme muito bonito sobre o processo ante a trama e sobre ensejos ante as ações.

Autocrítica de um cão Burguês, de Julian Radlmaier

Melhor equilíbrio entre cinema, política e utopia até o momento em 2017. Um lamento em forma de comédia de erros com doses certeiras de cinema, religião, existencialismo e política como forma de registro histórico dos nossos dias. Eloquente e divertido.

Verão Danado, de Pedro Cabeleira

Filme que prolonga e recua suas ações – na maior parte do tempo Cabeleira observa seus personagens na perdição – e pouco oferece para a fala, exceto nos minutos iniciais, não por acaso o momento de construção de arquétipos e também o momento mais interessante do longa. Verão Danado está entre as cenas de consumo dos filmes de Larry Clark e os diários de viagem de Pedro Costa, mas sem um norte definido.

Severina, de Felipe Hirsch

Permeado por utopias, Severina evoca os clássicos do film-noir unido aos moldes do cinema contemporâneo e analisa a partir dessa convergência o amor, arte e vida como caminhos filosóficos e o cinema como estrada definitiva.

Thirst Street, de Nathan Silver

A via crucis à francesa de Nathan Silver desta vez é mais diluída que em seus filmes anteriores, com preocupação maior com aspectos visuais, sem tanta densidade dramática. Ainda envolvente, Thirst Street é o filme de menor potência de Silver.

Doentes de Amor, de Michael Showalter

À priori um filme sobre desconfortos – ser muçulmano na América, não ser um “profissional” de sua área e não seguir regras religiosas -, que notoriamente usa o amor como o fio narrativo e no embate entre desconforto e amor, a maior catapulta para o riso (a estranheza) é adormecida pelo drama que domina o miolo da história e justifica o romance do filme.

Casa Roshell, de Camila Donoso

Trabalho de observação semidocumental que investiga pela palavra as inquietudes e motivações de transformistas e transexuais no clube que batiza o filme e prega a liberdade. Há no trabalho de mise en scène de Donoso uma proximidade ao estudo de psique que Almodóvar se interessa, aqui ainda mais direto e igualmente formal.

Atrás Há Relâmpagos, de Julio Cordón

Analogias da relação Costa Rica/Nicarágua no cotidiano de jovens que estão entre o completo desleixo e a tensão total. O trabalho de Cordón é feito no resumo destes sentimentos em rotina – justificando-o – e narrativa, sem muita inspiração nos paralelos.

Discreet, de Travis Matthews

Drama independente que toma forma de thriller psicológico com boas ideias imagéticas e criativos diálogos com o vídeo (um videothriller?) e formas da cidade para transparecer traumas da sociedade norte americana, principalmente a sulista, oprimida por reacionários.

Prevenge, de Alice Lowe

Lowe parte da gangorra emocional gestacional para transformar este período em um mar de perversão num simples filme de vingança. É interessante como Lowe insere os conflitos de sua protagonista e como um filme de serial killer toma corpo conforme o nascimento do bebê se aproxima.

Um Segredo em Paris, de Elise Girard

Girard mirou no Chabrol e acertou num pastiche de Woody Allen sem inspiração sobre amor e máfia permeada pela força da solidão. Agridoce, o filme é guiado em monocórdio e sem grandes momentos imagéticos ou líricos.

Lake Bodom, de Taneli Mustonen

Grande brincadeira de subverter cânones do gênero – ou melhor, de “filmes de terror sobre jovens acampando”. Lake Bodom vai trocando peça a peça com o mesmo objetivo de suas referências (a brutalidade e o voyeurismo), mas sempre por caminhos alternativos.

Detroit em Rebelião, de Kathryn Bigelow

Três filmes em um: a observação do caos, a tensão racial e um filme de tribunal. Para eles, Bigelow usa a mesma linguagem que é a sufocante câmera na mão, closes e a grosso modo o estudo de índoles durante o caos instalado em Detroit nos anos 60. Bigelow parece mais interessada na moral, na força do contexto à força do filme e o dirige no piloto automático.

O Futuro Adiante, de Costanza Novick

Surpreende o nome de Lisandro Alonso como produtor executivo de um filme tão didático na função de estudo do tempo – infância, o fim da juventude e o sacramentar da vida adulta pelo prisma de duas amigas de relação sempre estremecida.  A ideia de ciclo por Costanza Novick é carregada de saídas rasteiras e previsíveis, ainda que narrativamente seja um filme muito dinâmico.

Conversa Fiada, de Huang Hui-Chen

Conversa Fiada se apresenta como um rolo compressor de memórias e remorsos, mas a diretora Huang Hui-Chen exime sua mãe – protagonista do filme – de um encontro frontal em troca de um filme figurativo, mais interessado nas alusões poéticas da dor. Quando resolve confrontar esta opção, extrai um resultado brutal sobre o passado de sua família.

Queercore: How to Punk a Revolution, de Yony Leyser

Punks e gays unidos com um único propósito: lutar pela igualdade e contra protocolos sociais. Ironicamente Yony Leyser faz um filme de protocolo com talking heads e imagens de arquivo. Independente da escolha é um filme muito inspirador com depoimentos de colunas do movimento queercore como Bruce La Bruce, John Waters e Kathleen Hannah.

Frost, de Sharunas Bartas

Sharunas Bartas parte de convenções básicas de sua filmografia para fazer um filme de desgastes; forma (planos e contra-planos médios infinitos), tema e subtema sem diálogo frontal e a ausência do conflito entre guerra e crise que o filme se inclina. Um filme muito distanciado dos significados que busca.

O Céu de Tóquio à noite é Sempre do Mais Denso Tom de Azul, de Yuya Ishii

Subversão de comédias românticas com alegorias pessimistas e personagens totalmente perdidos. A impressão é que Yuya Ishii está igualmente perdida para dosar o gênero que subverte à trama e não transformar seu longa em um amontado de sequências híbridas como espinha dorsal.

Lobisomem, de Ashley Mackenzie

Contravenções imagéticas e líricas para ilustrar o mundo perdido de um casal de  viciados em busca da redenção e/ou do completo prazer. Cartografia de sentimentos opostos em linguagem notoriamente contrária às convenções clássicas. Um filme “feio” para um tema “feio”.

Livrai-Me, de Federica Di Giacomo

O acerto do filme de Federica Di Giacomo é a observação e a naturalidade com que as questões são abordadas sobre exorcismo - a questão psicológica, da vaidade, da entrega e da religião sobre o ritual. Por vezes parece redundante na captação da rotina de uma igreja, mas ainda é um registro bastante pertinente, sempre longe de julgamentos.

Depois da Guerra, de Annarita Zambrano

Há pavimentos suficientes para Annarita Zambrano criar uma trama minimamente regular sobre o tema abordado. Mas o filme é tão protocolar, segue a cartilha do “drama de guerra” tão a fio que o resultado é de uma ingenuidade tremenda, sempre inclinado a achar fiapos de drama onde uma abordagem política seria mais pertinente.

Sexy Durga, de Sanalkumar Sasidharan

Um filme que circunda a situação e permite que a situação circule a câmera. Neste curioso exercício de imagem, Sasidharan vai do drama social ao filme de horror sem grandes obstáculos, sempre tensionando ao máximo sua fina linha narrativa – um casal preso dentro de uma van cheia de homens suspeitos.

Occidental, de Neil Beloufa

Um olhar do micro sobre o macro, pequenos braços para abraçar o mundo através de um único tema: xenofobia. Das referências estéticas (Godard, Fassbinder) ao completo pastelão francês, Beloufa está interessado em muitos tópicos sem colocar espaço entre eles. O resultado é um filme de boas intenções mas muito perdido na execução.

Cadáveres Bronzeados, de Helène Cattet e Bruno Forzani

O filme outdoor de Cattet e Forzani. Um western lisérgico que concentra estilo e novamente falta consistência narrativa como em seus filmes anteriores. Mais interessado nos efeitos que os jogos imagéticos criam através da edição frenética, o filme não se sustenta por muito tempo nesta aposta e sobra pouco do experimento que a cada novo filme da dupla perde forças.

Bosque de Névoa, de Mónica Álvarez Franco

Mónica Álvarez Franco ensaia dois caminhos para o seu filme: um de diálogo direto com o campo filmado e de contemplação. O outro, de se infiltrar na rotina dos moradores do bosque filmado, entre trabalho, estudo e afazeres domésticos, sinalizando o senso de preservação e ciclo do local. Nesta investigação, Bosque de Névoa perde muito, pois nenhum desses extremos tem força suficiente para sustentar o olhar da diretora.

Dina, de Dan Sickles e Antônio Santini

Explica-se facilmente o prêmio recebido pelo filme em Sundance: ainda que o seu tema seja pesado – a vida de casado de Dina, mulher de 49 diagnosticada com síndrome de asperger e vítima de traumas fortíssimos, e Scott, diagnosticado com autismo -, a abordagem de Dan Sickles e Antônio Santini segue um formato celebrado em Sundance até hoje, muito próximo de filmes de Miranda July, irmãos Duplass e afins. Talvez para fugir do peso que o tema oferece esta tenha saída, mas há de se questionar se ela realmente funciona.

Comentários (0)

Faça login para comentar.