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Diário do Festival do Rio 2015 - Dia 2

Olá, leitores do CP.

Nesse segundo dia de Festival do Rio, eu locomovi muito pela cidade, talvez seja o dia que mais andei para assistir filmes. Comecei no Largo do Machado, depois fui para o Centro, depois para Botafogo, depois voltei ao Largo do Machado e encerrei a noite de volta a Botafogo. Ufa! Graças às mudanças e enxugadas do Festival, toda essa maratona está sendo feita tanto por nós jornalistas como também por muitos cinéfilos e até convidados do festival, e depois do dia de ontem com presenças ilustres, hoje apenas participei do primeiro debate da Première Brasil, para o filme 'Beatriz', na qual estiveram presentes o diretor Alberto Graça e sua protagonista Marjorie Estiano.

O susto do dia foi a respeito do atropelamento na frente de um dos cinemas do festival de um colega também crítico, Bruno de Souza, que felizmente passa bem depois do susto; sinal de que apesar da correria, não podemos nos desatentar para a vida que literalmente corre por todos os lados. Hoje chegaram mais colegas jornalistas na cidade (costuma ser assim durante todo o evento) e nos intervalos dos filmes muitos diálogos importantes são travados, tanto para a apreciação ainda maior das obras quanto para ampliar questões levantadas pelas produções. Hoje enfrentei a primeira sessão lotada do Festival (a do polonês 11 Minutos) e "venci a tarefa", conseguindo assisti-lo mesmo assim para trazer a vocês minha impressão sobre o filme. Aliás, ele e outras três produções são analisadas no texto de hoje.

Apesar da correria, não existe qualquer sinal de cansaço ainda, mas sim muito empenho e disposição porque tá tudo no início ainda e pra mais de 40 filmes ainda me aguardam; ou seja, nada de esmorecer. Espero que curtam dos comentários abaixo sobre os filmes de hoje, e até amanhã.



Beatriz

Se ontem o coreano 'Madonna' me deixou com raiva extrema do seu roteiro amador e de viés novelesco pra dizer o mínimo, qual não foi o meu susto ao perceber o filme de estréia da competição de longas nacionais do ano aqui no Festival, com o drama 'Beatriz'. O diretor Alberto Graça há muitos anos tentava realizar um novo longa metragem e só na ideia desse aqui se passaram 9 anos; o diretor tem quase 40 anos de carreira e tem nessa nova produção apenas seu terceiro, sendo que o anterior já faz 15 anos (o interessante thriller policial O Dia da Caça). Infelizmente não foi suficiente para o filme apurar, perder o mofo, adquirir identidade própria e definitivamente enterrar machismos e misoginias bizarras e arcaicas que encaro pelo segundo dia consecutivo.

O filme acompanha o casal Beatriz e Marcelo, que há três anos reside em Lisboa. Ela uma advogada que abandonou a carreira de sucesso no Rio para se dedicar aos estudos dele, um escritor vencendo seus demônios interiores após um sensacional livro de estreia. Apesar dos sete anos de casados, não há qualquer crise; muitíssimo pelo contrário, atualmente Marcelo e Beatriz se alimentam de fantasias sexuais cada vez mais ousadas inclusive com resultados fora de casa, e a realização dessas mesmas fantasias servem de inspiração para que Marcelo escreva contos eróticos para uma revista. Mas o anúncio da gravidez dela e a proposta de um novo livro escrito por ele vai arremessar esse casal apaixonado no olho de um furacão infernal, transformando a realidade deles num pesadelo absurdo; ele, com os demônios de volta e a personalidade cada vez mais agressiva, soturna e arredia, e ela vendo as aventuras sexuais cada vez mais como a única chance de salvação de seu casamento, onde ela se joga sem qualquer amarra e rede de proteção. 

Graça se vale de diálogos vexatórios (a frase "você... está blefando!!" pra mim já entra nos anais da nossa cinematografia como entre os piores momentos/cenas do nosso cinema) para contar sua repetitiva história do casal que desce ao inferno para aprender algo com a autodestruição da forma mais canhestra e preconceituosa possível, transformando Beatriz numa escrava sexual, dependente física, emocional e quimicamente de um homem que só a explora de todas as formas. O circo não pega fogo de maneira irrestrita porque Beatriz foi entregue nas mãos de Marjorie Estiano, mais uma vez comprovando ser das maiores da sua geração. Tudo é crível quando ela está em cena e se expressa, numa personagem sensual e selvagem, que se interioriza e exterioriza de maneira exemplar e pela primeira vez na carreira explorando várias dessas facetas, conseguindo dar um nó nesse roteiro ruim e tira sangue, leite, petróleo e suco de jabuticaba de pedra, fazendo com que o filme ainda tenha um motivo para ser visto no meio do terror absoluto. 

Nota: 2,5
Título original: Beatriz



11 Minutos
 
A Polônia escolheu o novo filme de seu mestre Jerzy Skolimovsky (de 'Essential Killing') para lhe representar no Oscar do próximo ano, um filme coral cujo grande êxito e grande problema residem no mesmo fator, que não vem ao caso ser comentado pelo risco de conter um spoiler na situação (e vocês sabem como sou contra spoilers). Mas vamos tentar falar do todo sem estragar a experiência do espectador. Antes de mais nada, é necessário deixar claro que a ideia de filme coral adotada por Skolimovsky é das mais distantes do usual. Filme coral, como todos sabem, é aquele longa metragem que acompanha a vida de diversos personagens de maneira simultânea sem dar protagonismo absoluto a nenhum, como tão bem já fizeram Robert Altman, Alain Resnais e Paul Thomas Anderson, mesmo que já tenhamos visto versões desastrosas do gênero também (alguém ai pensou em Crash?). Pois '11 Minutos' se difere desses citados por não aprofundar no perfil de seus retratados e suas histórias: como sua narrativa acompanharia diversos destinos durante os tais 11 minutos, seu roteiro não permite abraçar nenhuma personalidade ou situação, tudo é efêmero e mecanicamente passageiro, mesmo que o filme demore 1h e 30 pra te mostrar os tais minutos.

É uma experiência curiosa e empolgante, diria até chamativa, mas que esbarra na falta de intimidade que se cria com o produto, tendo em vista que não saberemos muita coisa de ninguém. Não se pode negar também a infinita qualidade técnica do longa, com montagem, fotografia e som trabalhando em conjunto para emparelhar os fatos contínuos mostrados e suas conseqüências imediatas, que fazem com que os personagens se esbarrem a torto e a direito. Skolimovsky orquestra tudo com habilidade cirúrgica e o filme, que começa meio perdido e aleatório, vai se tornando cada vez mais "proposital", cada coisa convergindo da maneira mais acertada num efeito dominó bem interessante. O problema principal é que nada é o que parece, ao menos pra mim. 

O filme foi produzido ao que parece com um motivo X, e ele todo se desenvolve nesta direção muito óbvia desde o início, o que pode ser visto como uma solução bacanissima de engenhosidade, ou da forma mais vazia possível, já que tudo mostrado até o momento em questão parece não importar ou interessar, apenas deixando claro que aquela situação era o mais importante, e não o que levou a ela por mais fascinante que a união de seus personagens seja da fato uma questão bacana e por si só criativa, mas que não parece ao final ter sido esse o propósito, e sim encadear os eventos anteriores para desembocar naquele quadro, impressionante e hiper coreografado (ainda que muito bonito), mas acima de tudo fake.

Nota: 6,0
Título original: 11 Minutes



Green Room

Jeremy Saulnier parece um veterano e está somente no seu segundo longa metragem. Parece no sentido de dominar a linguagem como tal, perfeitamente, exemplarmente. Sua estreia foi parar em Cannes e chamava Blue Ruin, certamente um dos grandes filmes americanos que ninguém viu do ano passado. Lá ele esbanjava juventude e segurança numa trama policial protagonizada por um homem que parecia um mendigo, mas que na verdade escondia uma sede de vingança insaciável. O ator protagonista lá era uma revelação assombrosa e está de volta num papel coadjuvante aqui nesse Green Room, guardem seu nome: Macon Blair. Aliás, os seus. 

Daí que essa sua nova produção igualmente esteou em Cannes (ou seja, a Croisette abraça até o que o próprio cinema americano produz de melhor e bizarramente não reconhece, tendo em vista o que já aconteceu em escala muito maior com James Gray, nunca celebrado em casa) e igualmente fala sobre violência, crime e castigo, perpetrado geralmente por uma ala dita fraca que acaba adquirindo força espetacular quando enfrentada. O filme acompanha uma micro turnê da banda punk "The Ain't Rights" e sua derradeira apresentação num bar afastado da estrada e infestado de seguidores neonazistas (inclusive o filme com sutileza ímpar dá pistas das atividades extracurriculares que o lugar apresenta quando não funciona como pub). Digo derradeira apresentação porque a banda é testemunha de um crime no local e será mantida presa para uma eventual decisão do dono do lugar sobre seus futuros. Encarcerados num cômodo, aos poucos os 5 integrantes se juntam a uma jovem groupie da banda ao perceber que provavelmente não sairão de lá vivos, e partem para um possível levante contra um grupo de pessoas que tem como propósito exterminá-los. 

Pensem em violência e em modos cruéis de matar e talvez você chegue perto do que acontece após a metade da produção, com requintes de grafismo. Toda a explosão de violência chega no momento exato onde a tensão já está no ápice e até mesmo os mantidos em cativeiro escolhem enfrentá-la depois de horas e horas de espera e agonia. A construção da tensão aqui é milimétrica e o filme realmente nos deixa na ponta da cadeira, mas o roteiro aqui dá umas escorregadas que no filme anterior não existia e lá pelas tantas o tão temido dono do lugar (vivido por um implacável e soturno Patrick Stewart) deixa as decisões nas mãos de meia dúzia de patetas que obviamente colocarão tudo a perder, e o filme descamba um pouco para a chacota. Mas amarrando firmemente sua narrativa nos 10 minutos finais, Saulnier volta a entregar um longa de ritmo frenético cuja violência é uma camada da esfera social que habitam seus personagens, e eles não furtarão em usá-la para atingir seus objetivos. Já ficamos ansiosos pelo próximo petardo dessa jovem promessa estadunidense. 

Nota: 8,0
Título original: Green Room

Comentários (15)

Pedro H. S. Lubschinski | quarta-feira, 07 de Outubro de 2015 - 17:26

Espero que o pessoal ignore essa palavra-chave e deixe de novo o Kôbôll lançá-la involuntariamente.

E, sim, roço 😏

Nilmar Souza | quarta-feira, 07 de Outubro de 2015 - 17:31

Espero que meu "kkkkkkkkkk" seja colocado num outro contexto pra que eu não leve ban junto com vc 🙁

Bernardo D.I. Brum | quarta-feira, 07 de Outubro de 2015 - 21:44

Espero conseguir escrever sobre todos os filmes, metade do festival e já tou no osso

Francisco Bandeira | quarta-feira, 07 de Outubro de 2015 - 22:59

Brum tem que fazer pacto com o demo pra poder cumprir todas as promessas. HAHAHAHAHA

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