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Filmes de 2001

Depois de um longo hiato, retornamos com o nosso especial que revisita a história do cinema pelo Cineplayers. De ano em ano, estamos regredindo selecionando uma série de filmes inesquecíveis, que visam abranger o maior número possível de gostos, visto que cada editor pode escolher apenas um por ano, trazendo não apenas um pouco da história daquele ano, mas também sugestões de filmes que cada usuário possa ter deixado passar em branco.

Novos nomes participaram desta edição, assim como algumas figurinhas carimbadas ficaram de fora, mas esperamos que vocês curtam nossa seleção e comentem abaixo o que ficou faltando na lista.

Não deixe também de visitar as edições anteriores:

2002, 2003, 2004, 20052006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012.

Sem mais delongas, vamos relembrar 2001!

 

Assassinato em Gosford Park, de Robert Altman

Aplicação de diálogos simultâneos, ações paralelas, grandes elencos ensaiados em busca da verdade do personagem, relações humanas de um grupo específico compondo o sentido do filme como uma trama própria. Tais características representam o ponto alto da carreira de Jean Renoir e sua obra-prima, A Regra do Jogo - e são também características muito caras ao cinema de Robert Altman, que, por isso, pratica uma espécie de refilmagem em Assassinato em Gosford Park. E a afinidade entre os estilos dos dois diretores é tamanha que Altman faz de Gosford Park um filme autoral. Afeito a críticas e ironias a instituições intocáveis de seu país, o cineasta americano utiliza de seu distanciamento da elite inglesa dos anos 30 para lançar um olhar mais severo sobre a crônica de Renoir àquele grupo. As distinções sociais entre aristocratas e serviçais estão ainda mais diluídas em jogos de sedução, traição e disfarce, aqui a alienação dos personagens - diante da iminência da guerra e tudo o que os cerca, inclusive um assassinato - é explícita, e Altman não demonstra pudor em apontar essas fraquezas da natureza humana. Ao contrário: ele se diverte em fazê-lo, e, assim como Renoir, se coloca em cena na pele de um cineasta (seu xará Bob Balaban é o intérprete) presente apenas para colher material do seu próximo filme (nuance que já indica a natureza peculiar daquele grupo) e que, esperto que é (seu sobrenome é Weissman, perceba) permanece alheio ao desprezo alienante daquele bando de coxinha. Assim, Gosford Park reúne com brilhantismo e elegância todos os principais elementos da carreira de Robert Altman, veterano em plena forma, a conceber uma divertida homenagem ao cinema de dois monstros do cinema: Jean Renoir e ele mesmo.

- Rodrigo Torres de Souza

 

Cidade dos Sonhos, de David Lynch

A grande potência do cinema de David Lynch está na dualidade; a ternura e o horror saturados quando sobrepostos. O que costuma estranhar na mise-en-scène lynchiana é seu feitio para o contraste, para a intersecção entre as linhas, e nenhum de seus filmes (apesar de Estrada Perdida chegar perto) constitui exemplar tão elaborado desta qualidade quanto Cidade dos Sonhos, assim como não há tema mais apropriado ao contraste do que o amor. Os mais belos e tristes filmes do mundo (como Noites Brancas, Carta de uma Desconhecida, Amantes (Gray), No Silêncio da Noite) tiveram por objeto a diferença entre a expectativa e a realidade em um relacionamento, a projeção e o choque. Mas não me apressaria em dizer que Cidade dos Sonhos pertence a esse grupo, pelo contrário: ele o julga, o comenta, o vigia. O que David Lynch filma é o método de abordagem que o cinema pode empreender em um romance, a matéria-prima mais nobre de toda forma de arte. Este é um filme sobre os filmes de amor, por isso mesmo Lynch não poderia ter sido mais exato: Cidade dos Sonhos é um terno e doce filme de horror.

- Luis Henrique Boaventura

 

A Espinha do Diabo, de Guillermo del Toro

O universo fantástico do realizador Guillermo del Toro está alicerçado em uma de suas obras de menor expressão, mas de inegável beleza estética e narrativa sombria, do tipo sensorial. “A espinha do Diabo” se passa num orfanato onde fantasmas assombram. Esse atributo narrativo inserido não releva o temor de uma possível ilusão, mas aparece como signo do desconhecido e do medo de ir além dos portões de um lugar oprimido. O contexto é a guerra civil espanhola, nos anos 30 – faz recordar “O Labirinto do Fauno” – com um menino assistindo vultos de uma criança que morreu ali num passado desconhecido. Enquanto o país passa por um período miserável de sua história, os moradores do orfanato convivem com a angústia da expectativa, condizendo ao possível teor imaginário que tal aparição favorecia. Soma-se ao temor do obscuro, a percepção do abandono e o futuro lúgubre incerto. A sensibilidade da obra diz respeito ao terror legitimamente cinematográfico, sem o apelo da ruína, sangue e violência. Somos tocados pelo que o diretor traduz em cenas de vulnerabilidades das crianças dispostas às possibilidades do acaso fomentado pela guerra. Seu título reflete aqueles que não nascerão vítimas do infortúnio da conflagração.

- Marcelo Leme

 

Os Excêntricos Tenenbaums, de Wes Anderson

Royal (Gene Hackman) e Etheline (Anjelica Huston) se casaram e, dessa união, nasceram Chas (Ben Stiller), Richie (Luke Wilson) e Margot (Gwyneth Paltrow), todos gênios precoces, cujo ápices de inteligência vieram ainda no final da infância. Vinte e dois anos depois de se separar da esposa, Royal quer reestabelecer o vínculo perdido com a família, forjando uma doença terminal para ser aceito de volta. Ancorado nessa premissa simples, Wes Anderson entregou um dos melhores filmes de sua carreira até aqui, se não o melhor. O peso das relações familiares é tratado com um misto de afetividade e bizarrice, trazendo à tona as pequenas loucuras de cada personagem sem torná-los distantes da realidade, apesar de seus perfis cartunescos. A essa dramaturgia que centrifuga a obviedade, o realizador soma o esmero visual, representado em cenários inusitados, a começar pela casa dos Tenenbaums, o clã ao qual o solitário Eli (Owen Wilson) sempre quis pertencer e ao qual se mistura desde criança. Irresistível do começo ao fim, essa comédia agridoce também traz os melhores desempenhos dos atores que vivem o trio de irmãos.

- Patrick Corrêa

 

O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, de Jean-Pierre Jeunet

A francesinha Amelie ganhou em 2001 um dos filmes mais simpáticos e bonitos lançados recentemente. Com um roteiro simples, mas misturando humor e drama de forma bem balanceada, arrancou muitos risos e lágrimas da plateia, com uma personagem pela qual muitos podiam se identificar. As cores são bastante carregadas mas a fotografia é linda. O filme serviu para lançar a atriz Audrey Tautou para a fama internacional, e ela aproveitou isso muito bem fazendo papéis grandes nos anos seguintes, como a agente em O Código da Vinci e Coco Antes de Chanel. O Fabuloso Destino de Amelie Poulain mereceu o reconhecimento que recebeu, mesmo que muitos o vejam hoje como um filme bonitinho e vazio.

- Josiane K

 

O Filho da Noiva, de Juan José Campanella

No meio cinematográfico, o formalismo e a correção ainda são vistos com certo preconceito. Existe uma ideia não dita de que, para ser considerado realmente grande, um filme precisa ser ousado em sua temática e linguagem, apresentando alguma espécie de inovação ou quebra de paradigma. Bem, nem sempre. O argentino O Filho da Noiva é uma prova de que essa noção deve ser revista. Em essência, a produção que apresentou ao mundo o talento do diretor Juan José Campanella e do ator Ricardo Darín é um trabalho que não busca rupturas, seguindo fórmulas e padrões preestabelecidos. Mas alguém ousaria dizer que não se trata de um grande filme? Nas mãos de Campanella, a previsível história se tornou um lindo e sensível conto sobre a própria vida e a beleza de seus pequenos encantos, sem jamais resvalar na pieguice ou no exagero. O Filho da Noiva transborda naturalidade e graça, equilibrando momentos de eficiente bom humor com uma emoção que surge sem esforço, provinda unicamente do envolvimento do espectador com a história e os personagens. Uma obra simples, agradável e fácil de assistir, mas nem por isso menos profunda ou com menos valor. Até porque, convenhamos, filmes que despertam sentimentos verdadeiros são talvez até mais raros de se encontrar do que experimentações de linguagem vazias e pretensiosas.

- Silvio Pilau

 

Hedwig – Rock, Amor e Traição, de John Cameron Mitchell

Não existe no cinema personagem como Hedwig. Muito mais do que um filme gay, um musical, uma comédia dramática, uma adaptação teatral. Hedwig transcende gêneros. Temas não necessariamente inéditos, como o não pertencimento, a busca por um lugar no mundo, por uma identidade, por identificação, são vistos por um ângulo totalmente diferente na história de Hansel, um jovem que mora na Alemanha Oriental e que decide se casar com um oficial americano e tentar uma vida melhor nos Estados Unidos. Só que para isso acontecer, passa por uma cirurgia mal sucedida de mudança de sexo, resultando no “angry inch” do título original.  Conhecemos sua história através de uma das melhores trilhas sonoras já compostas, trabalho de Stephen Trask, que funciona incrivelmente bem tanto no teatro como no cinema. E claro, Hedwig é John Cameron Mitchell. Não apenas por ter dirigido, escrito a peça original, adaptado para as telas, no que claramente se tornou um “labour of love”. Mas sua atuação é de longe uma das melhores da década. Embora tenha lindas canções, um bom elenco, uma direção sensível, animações incríveis, direção de arte, maquiagem, é no olhar de seu protagonista que toda a dor e confusão de Hedwig é transmitida.

- Felipe Tostes

 

A Inglesa e o Duque, de Eric Rohmer

A obra de Eric Rohmer se divide em seus ciclos dedicados às relações contemporâneas (os Contos Morais nos anos 60 e 70, as Comédias e Provérbios nos 80, e os Contos das Estações nos 90). Paralelo a esses trabalhos, o francês dedicou-se a filmes históricos e romanescos, em que lançava um olhar querendo reconstruir o passado, o que seria a tônica na fase final da carreira do diretor, carregando em um esmero muito longe do que se tem como o academicismo chato dos filmes de época. A Inglesa e o Duque se concentra na queda da nobreza e consequente barbárie que se dá no período denominado como Terror durante a Revolução Francesa. Um mundo de elegância e traquejos sociais que desmorona para dar lugar a outro, ainda que com a incerteza de sempre em relação se as coisas permanecerão ou não como sempre foram, e o horror de como os acontecimentos transcorrem e perdem o controle, adquirindo uma dimensão deformadora. Para reconstituir esse passado, Rohmer escolheu mais de uma dezena de pinturas que retratavam a França durante a revolução e produziu um instigante uso da tecnologia digital para sobrepor seus atores sobre essas telas. O resultado é visualmente arrebatador, enquanto descreve um romance digno de Balzac e Stendhal ao recriar os diários de uma aristocrata inglesa e um duque que se coloca ao lado dos revoltosos. Uma obra-prima de uma abordagem sincera e honesta sobre as revoluções (algo como o Amantes Constantes de Garrel para o maio de 68).

- Vlademir Lazo

 

Os Outros, de Alejandro Amenábar

Em 2001, Nicole Kidman vivia um inferno astral em sua vida pessoal. Depois de 11 anos de casada com o astro Tom Cruise, a atriz viu no trabalho o escape para se ocupar e esquecer um pouco o turbulento fim de sua relação. Por coincidência ou não, ela conectou uma série de escolhas acertadas que começaram com este Os Outros (produção ainda de Cruise) e se seguiram com Moulin Rouge (que acabou ficando de fora deste especial), As Horas (que lhe rendeu um Oscar) e Dogville (uma de suas mais aclamadas atuações). Pois bem, Os Outros nada mais é do que a clássica história de uma mansão mal assombrada durante a Segunda Guerra, contada com uma narrativa conhecida, sustos, personagens sombrios e um inteligente recurso, a sensibilidade à luz das crianças, para manter o ambiente sempre escuro, macabro e perigoso. Conforme vamos aprofundando naquela história de medo e assombração, pequenas pistas são deixadas para um inteligente e engenhoso final, daqueles que te fazem querer revisitar o filme para analisar tudo o que havia sido visto até então. Injustamente comparado com um outro filme de um certo indiano, Os Outros tem muito mais de Desafio ao Além, de Robert Wise, e de Os Inocentes, de Jack Clayton, ainda que sem a mesma intensidade desses clássicos do gênero.

- Rodrigo Cunha

 

O Pântano, de Lucrecia Martel

Misé-en-scene acima de tudo. O Pântano praticamente se despede da narrativa dramatúrgica e do trivial e gera um filme intimista e desesperador, onde a tour-de-force sonora cria um confronto de força natural vital e enlouquecida contra a resignação e a inércia humana, onde modulações de intensidade e explosão crescem e refreiam o tempo inteiro, onde a câmera vaga livre pelos grandes espaços de uma casa à beira de um lamaçal onde animais sucumbem. Lucrecia Martel ergueu um literal pântano sensorial de adultos conformados e jovens explodindo, de sensualidade e brutalidade, de leveza e peso. Mais do que a metáfora da classe dominante apática e alienada de um país, as grandes sequências de O Pântano são as linhas de força de um cinema à margem da gramática, da linguagem, que diz sem narrar, descreve sem explicar, confronta sem expôr; inspirada pelo geógrafo brasileiro Milton Santos, Lucrecia fez um filme onde o espaço diegético é remodelado pela projeção individual, onde o controle perdido gera conflito, onde a inércia e o marasmo como resposta ao irracional ditam os cortes, onde os pequenos momentos alteram todo o panorama; a obra-prima de Martel é um furacão de vida em todas as suas acepções.

- Bernardo Brum

 

O Quarto do Filho, de Nanni Moretti

Rossellini, Fellini, Visconti, Antonioni, De Sica, Zurlini, Risi, Monicelli, Bolognini, Belocchio e Scola, todos atingindo o auge das carreiras mais ou menos ao mesmo tempo. Se ainda existia alguma dúvida de que, entre o fim dos anos 1940 até o começo dos 1960, o melhor cinema do mundo vinha da Itália, a filmografia destes diretores já  não abre muito espaço para discussão. À medida que esta geração foi pendurando as chuteiras, uma nova leva de cineastas foi surgindo para assumir o bastão. Desta linhagem, a figura mais importante é, sem dúvida, Nani Moretti. Inicialmente, com a chegada de filmes como “Cario Diário” e “Aprile”, o lado de cá do Atlântico o conheceu como o “Woody Allen italiano”. Hoje, com mais de 20 filmes no currículo, Moretti há muito já se desgarrou deste estereótipo. “O Quarto do Filho” talvez seja seu filme mais bem acabado (não à toa levou a Palma de Ouro em Cannes daquele ano), aquele em que o diretor abandona inteiramente sua veia cômica de origem, para abordar um dos temas mais difíceis no cinema: o luto pela perda de um ente querido. A rigor, não há nada de extraordinário na vida daqueles quatro personagens centrais, o pai psicólogo, a mãe (a bela Laura Morante), e os filhos adolescentes. É dessa falta de lances espetaculares que vem a força desta obra. Acreditamos e torcemos por aquela família. E quando um evento trágico vem à tona, sentimos por ela. Sem cair na armadilha do efeito lacrimoso e usando com parcimônia a trilha sonora (imagine se isso caísse nas mãos de algum cineasta americano...), “O Quarto do Filho” emociona ao mesmo tempo que nos faz refletir. Duas sequências retratam estes sentimentos: o momento em que o caixão é lacrado (difícil não chorar, mesmo para quem não tem filhos) e a cena final, quando os integrantes daquela família são enquadrados num mesmo plano, anunciando que, apesar da dor que nunca vai passar, dias melhores virão no fim daquele horizonte azul à beira mar.

- Régis Trigo

 

O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, de Peter Jackson

Apesar de ser um filme de 2001, o filme estreou no Brasil dia primeiro de janeiro de 2002. Ruas vazias, cinema lotado. Mas parte do público não sabia o porquê estava lá. Ao final, algumas reclamações pela longa duração e ritmo lento e alguns desavisados acordando. Gostando ou não, o trabalho e a dedicação de Peter Jackson estavam lançados ao público mundial, e sua visão para as obras-primas literárias de Tolkien estava disponível para ser julgada pelo popular. O reconhecimento crítico foi instantâneo, enfim, a história depois disso todos já sabem. A Sociedade do Anel não foi revolucionário, mas incorporou na celulose o espírito que os milhões de fãs aguardavam há muito tempo nas telas. Houve reclamações sobre mudanças livro – filme (cadê Bombadil?). Mas hoje, mais de uma década depois (e uma ótima versão estendida), o reconhecimento daquele ano não foi perdido. Mesmo sem ser perfeito, é difícil imaginar uma visão melhor do que a de Jackson, de Fran Walsh e de Philippa Boyens para o livro. E o prólogo continua sendo um dos grandes momentos da história do Cinema.

- Alexandre Koball

 

Terra de Ninguém, de Danis Tanovic

Pode-se suspeitar, por vezes, de que a ONU (Organização das Nações Unidas) é apenas um órgão fantasia. Para atacar o Iraque, em 2003, os Estados Unidos ignoraram o Conselho de Segurança. O mesmo fizeram em 1990 no caso da antiga Iugoslávia. Agora, já se desenha um ataque contra a Síria também sem o aval do grupo. Em Terra de Ninguém, a ONU sofre mais uma desmoralização, passada na Guerra da Bósnia. As tropas observadoras que acompanham o conflito armado, em um primeiro momento, recebem ordens para ignorar o caso humanitário de um soldado deitado sobre uma mina terrestre. Ele está condenado à morte caso não apareça nenhum especialista para desativar o armamento. Esse especialista pertence às tropas neutras, subordinadas à Organização. O que o filme escancara é a politicagem, que se sobressai em relação ao caráter humanitário. A ONU revê seu posicionamento e leva sua equipe à trincheira. Mas tudo pelo circo midiático, para sair bem na foto, para pegar bem com a opinião pública. O resto, que se exploda.

- Emilio Franco Jr.

 

Vanilla Sky, de Cameron Crowe

O que é real? O que é virtual? Quais os limites entre o real e o virtual? Se hoje essas perguntas parecem datadas, superadas, até mesmo piegas, esse era o questionamento da moda na virada do século, ganhando espaço até em filmes de grande apelo popular, como O Show de Truman, Matrix e Vanilla Sky. As respostas já são bem evidentes, e vieram sem ninguém se dar conta: a verdade é que o virtual engoliu o real já faz tempo. Se no filme, um Tom Cruise que esconde seu rosto encontra conforto e liberdade em ambientes cibernéticos, onde pode parecer ser quem quiser, numa via de escape para saciar taras, suprir carências e atenuar recalques – as redes sociais, reality shows e smartphones nas refeições estão aí para não deixar dúvidas.Vanilla Sky é uma adaptação para o cinema americano do espanhol Preso na Escuridão (Abre Los Ojos, 1997). Há, como em outros filmes da mesma época e tema, a vã tentativa de trazer para o cinema conceitos filosóficos bastantes complexos como Simulacros e Simulações, de Jean Baudrillard. Como nos outros, é pouco além de um blockbuster que tem “de brinde” um suposto estofo filosófico bastante duvidoso. No entanto, Vanilla Sky é um filme que marcou época, e talvez seu maior mérito seja a capacidade de construir uma narrativa com a música pop. Dirigido por Cameron Crowe, ex-editor da revista Rolling Stone, as citações são felicíssimas: “Good Vibrations”, dos Beach Boys – Brian Wilson fez a canção no momento em que perdia o elo com a realidade. “Porpoise Song”, dos Monkees – diretamente da cena psicodélica do musical Os Monkees Estão Soltos (Head, 1969); da aparição da moça parecida com Björk aos pedaços da guitarra de Pete Townshend – pistas de que, tanto na vida como no cinema, tudo não passa de um delírio, do início ao fim.

- Juliano Mion

A Viagem de Chihiro, de Hayao Miyazaki

Diz Miyazaki que o parque de diversões abandonado que ganha vida ao anoitecer em A Viagem de Chihiro simboliza o Japão pré-Segunda Guerra, com seus fantasmas esquecidos e lugares hoje enterrados pela maior calamidade já ocorrida no oriente. Como sempre em seu cinema, basta um piscar de olhos para que tempos se sobreponham e realidades distintas se misturem em uma explosão de cores, aventuras e jornadas de aprendizado. A Viagem de Chihiro não é apenas uma versão da ordinária história da criança perdida dos pais, é uma animação poderosa onde a personagem principal só poderá retornar quando tiver crescido, amadurecido e aprendido a se virar sozinha, de um lugar onde não há separação categórica entre o bem e o mal, o certo e o errado. Nesse processo, Miyazaki frisa que o importante é manter a identidade, nunca se esquecer quem você é ou deixar sua criança interna morrer durante os duros períodos de transição. Na verdade, ao descobrir um “novo mundo”, ela acabou se conhecendo; e quando retornou, o seu antigo mundo parecida diferente, embora continuasse o mesmo, e Chihiro percebe que quem tinha mudado no fim das contas era ela própria.

- Heitor Romero

Comentários (65)

Renato Coelho | sábado, 15 de Fevereiro de 2014 - 17:04

Nossa, não colocar DIA DE TREINAMENTO entre os relacionados foi um erro enorme. Dia de Treinamento detona.

Felipe Tostes | domingo, 16 de Fevereiro de 2014 - 11:31

Vale a pena, Alexandre. Tem até na Americanas por 12,99.

Raphael da Silveira Leite Miguel | terça-feira, 18 de Fevereiro de 2014 - 13:27

Tirei um tempo aqui pra ler todos os textos e também achei super-interessante o filme A Espinha do Diabo, sou fã do del Toro. Analisando outro filme da lista, depois que ví Moonrise Kingdom fiquei meio relutante para com os filmes do Wes, mas depois que ví O Fantástico Sr. Raposo, fiquei muito empolgado e quero muito ver Os Excêntricos Tenenbaums, que muitos dizem ser o melhor desse diretor.

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