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Um apelo nostálgico, saudoso e pessoal à animação - parte I

Parte I - Os Pioneiros

Decidido a escrever sobre alguma animação da Disney, distraí-me lendo pequenas informações soltas dos próximos projetos do estúdio. Fiquei bastante triste ao descobrir que não há nenhuma entre as quatro produções em andamento feita aos modos tradicionais da animação 2-D. Com a onda do 3-D se tornando claramente lucrativa e essencial principalmente no cinema de animação e infantil, isso deveria ser lógico. A Disney só passou a fazer o que todos os outros grandes estúdios de animação americanos já estavam fazendo. A nostalgia pela própria tradição até fez com que o estúdio segurasse a bola mais um pouco. A Princesa e o Sapo (2009) e O Ursinho Pooh (2011), as últimas aventuras da Disney pelo terreno da animação tradicional (consideráveis anos depois de Sinbad, o canto de cisne da técnica na Dreamworks), já eram afirmações de resistência, exceções no mercado do gênero, destacando-se e praticamente confirmando a morte de uma técnica que durou 70 anos.

Foi esse o tempo que permaneceu como estrutura dos filmes do gênero as inovações técnicas trazidas por Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Pinóquio (1940), Fantasia (1940), Dumbo (1941) e Bambi (1942). Os pioneiros, todos dignos de serem chamados obra-prima. A contribuição desses filmes ao cinema não se limita de forma alguma às animações. Branca de Neve, Pinóquio e Bambi, por exemplo, são bons contemporâneos para o realismo americano que seria introduzido “oficialmente” com Cidadão Kane (1941), de Orson Welles.


A cidade italiana que vai se afunilando e revelando novos espaços por trás dos muros das casas em Pinóquio e o plano que parte de dentro do poço em Branca de Neve ajudam a criar um espaço de cena que vai muito além do foi enquadrado. A sequência mais vitoriosa nesse sentido é certamente a da baleia Monstro perseguindo Pinóquio e Gepeto. Os personagens saem do quadro e voltam a ele, às vezes só há água e quase nunca há Monstro, mas todos estão ali, ou logo à esquerda ou logo à direita. Era uma nova forma de pensar a imagem cinematográfica que estava sendo desenvolvida.

Em Bambi e na sua permanência como clássico do cinema infantil, surpreende-me o tempo que o filme toma para silenciosas contemplações da floresta. As gags visuais são reduzidas ao mínimo. Por ser um drama sobre o reino animal, as tiradas de humor (que em Branca de Neve e Pinóquio estavam bastante ligadas aos personagens animais) surgem de maneira muito mais orgânica. Como um filme tão calmo conseguiu resistir às várias gerações do cinema de animação que criavam e ainda criam diversos artifícios desesperados — a comédia e a música sendo os principais deles — para prender a atenção à narrativa e ser ainda hoje amado por crianças de todo o mundo é para mim um mistério.


Pela ambição de um e despretensiosidade do outro, considero Fantasia e Dumbo exemplos à parte, mas igualmente espetaculares. O kitsch gritante de Fantasia se justifica no tour de force do ato final — as sombras que seguem se esparramando pelas pedras em Uma Noite no Monte Calvo —, mas talvez toda a contribuição do projeto esteja mais presente e visível na sua peça-chave, O Aprendiz de Feiticeiro. A animação e a música eram aliadas muito antes até dos longa-metragens, era a própria base das silly simphonies produzidas pela mesma Disney. Fantasia coloca essa aliança à luz das inovações estéticas trazidas por Branca de Neve.

Um pouco como uma ovelha negra, Dumbo se diferencia de todos da sua geração. A ele (meu preferido confesso, sempre gostei de um outsider) foi negada a mesma atenção que os outros receberam do estúdio. O resultado é um filme humilde e particularmente corajoso. Sem o compromisso de gerar lucro para a Disney equivalente ao deixado pelos dois primeiros (que pagaram o fracasso de Fantasia), a equipe responsável por Dumbo não titubeia diante da encantada liberdade criativa que parece haver num baixo orçamento. Dos cinco é o mais assumidamente infantil, o filme brinca e se diverte com as possibilidades da animação: pode ter duas introduções musicais completamente diferentes e pode interromper a narrativa com uma sequência psicodélica (Pink Elephant’s Parade, deliciosamente inigualável). Dumbo é tão marginal quanto seu protagonista e os corvos que se juntam a ele.

Esses cinco filmes representam um momento único no cinema de animação. A Guerra, uma greve e crises financeiras no estúdio criaram um período de transição entre Bambi (1942) e Cinderela (1950) preenchido por coletâneas de curtas-metragens lançadas como uma unidade nos cinemas. O longa-metragem de animação voltaria desse hiato completamente transformado em intenções e estilo.

Comentários (16)

Lucas Souza | segunda-feira, 18 de Agosto de 2014 - 11:34

Acredito que 'Snow White and the Seven Dwarfs' seja o mais importante, até mesmo a história dos bastidores que foi muito tumultuada o dinheiro empregado para realizar a película e a perfeição da obra que se estende até hoje visto que o filme tem quase 80 anos de idade! Ele é a definição pura de genialidade o atemporalidade...

Lucas Souza | segunda-feira, 18 de Agosto de 2014 - 11:35

Cesar, também sinto falta de animações 2D...
O 3D realmente tem se tornado unanimidade não só entre os críticos e estúdios mas também das crianças...

Rodrigo Cunha | segunda-feira, 18 de Agosto de 2014 - 16:26

Kadu, mas há uma razão técnica para essa repetição... Por questões de custo, essas cenas eram reaproveitadas, trocando apenas o layout para agilizar a produção também e aproveitar ao máximo o que há tinha sido feito. Isso acontece em outras animações também, era bem comum da época.

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