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7+ | O Gótico Sulista

Uma sociedade de profundas contradições, com o tempo, criou seus próprios ramos de tradições. Em literatura, teatro e cinema, o interior dos Estados Unidos virou palco de um filão de inspiração gótica que desconstruiu o clima bucólico do interior e do sul e descortinou um mundo onde os valores tradicionais da sociedade - tradição, família e propriedade - ganham contornos sombrios, guardam segredos perturbadores e entrelaçam narrativas mergulhadas no claro e no escuro, esmiuçando a ambiguidade cinzenta e mostrando como elas comportam universos complexos e confusos. Conheça na primeira parte do artigo os filmes inaugurais do filão.


Maldição (Fritz Lang, 1950)

Logo no início do filme, um escritor famoso mata a empregada doméstica após ela, aos gritos, resistir aos seus avanços - e o mote da história se afunila quando seu irmão passa a ser o principal suspeito, enquanto o antagonista passa a se beneficiar da publicidade gerada pelo escândalo. A história favorita do expressionismo - um indivíduo respeitável que guarda consigo segredos sombrios, em um clima noir mergulhado no chiaroscuro que transforma a próspera casa burguesa em uma ambiência de um sonho ruim.

Uma Rua Chamada Pecado (Elia Kazan, 1951)

O texto clássico de Tennessee Williams recebeu uma famosa adaptação de Elia Kazan, onde desejo sexual, fantasias puritanas e o choque de realidade se encontram nos enclausurados ambientes. Vivien Leigh e Marlon Brando se confrontam o filme inteiro como Blanche Dubois e Stanley Kowalski, a representação de uma aristocracia caída e ainda pretensiosa e da força operária rústica e sensual. A peça e o filme foram impactantes, para dizer o mínimo, demonstrando a ruína dos valores tradicionais e o surgimento tímido e à espreita da revolução de costumes na década seguinte.


O Mensageiro do Diabo (Charles Laughton, 1955)

Em sua única investida sentando na carreira de diretor, Laughton evocou a estética noir/expressionista no meio de uma locação sulista para contar a história de um predador abusivo que seduz e mata mulheres frágeis e indefesas contra uma terra dura e má intencionada. Mitchum, o "Caçador" do título original, constrói um personagem que inspira medo desde a introdução, com as palavras "ódio" e "amor" tatuadas em suas falanges. Sua presença assombra cada milímetro de película.


O Pequeno Rincão de Deus (Anthony Mann, 1958)


Em uma de suas obras mais conhecidas, Mann retrata em tons grotescos a figura patriarcal destruindo a própria família em sua busca obsessiva por prosperidade. Um circo de horrores envolvendo preconceito, sexo e calor, onde o diretor faz por onde para mostrar a ruína do sonho americano em uma trama progressivamente insana e absurda.


Gata em Teto de Zinco Quente (Richard Brooks, 1958)


Outro clássico de Tennessee Williams vertido para as telas, concentrando sob o mesmo teto temas mais que polêmicos para a puritana América cinquentista: alcoolismo, casamentos falidos, homossexualidade e relações familiares mantidas por interesse. A estética teatral da maior parte do filme - tempo concentrado, diálogos excruciantes - se desenrola como contraponto da cena inicial, onde vemos Paul Newman jogando futebol sozinho, na calada da noite, desesperado e bêbado, em meio a um mar de treva e silêncio, mal sabendo que passará a madrugada acordado, de alma exposta.


Círculo do Medo (J. Lee Thompson, 1962)

Grande fã de Hitchcock, o diretor Thompson quis evocar toda uma atmosfera referencial em seu conto sobre um psicopata vingativo que persegue a tradicional família americana, com Mitchum relembrando seu papel em O Mensageiro do Diabo. Para tanto, caprichou na fotografia com ângulos de câmera bizarros, iluminação mais expressionista que realista e uma trilha sonora arrepiante, cortesia de Bernard Herrman. No clímax, o tradicional passeio de barco ganha ares brutais, onde civilização dá lugar à sobrevivência.


O Sol é Para Todos (Robert Mulligan, 1962)


O premiado filme pega pesado ao abordar perda de inocência - o próprio título original, To Kill a Mockingbird, já abarca parte dessa ideia -, utilizando-se da narrativa sob o ponto de vista de duas crianças que enfrentam a ideia que justiça não é algo inato, mas um ideal pelo qual se deve lutar. Nisso, o clima de manhã eterna é contraposto por Mulligan com tribunais acalorados à tarde e crimes sendo praticados na calada da noite. Em pleno período de revolução de costumes, o filme marcou época ao tratar de assuntos polêmicos como estupro e racismo.

Comentários (1)

Daniel Mendes | sexta-feira, 13 de Setembro de 2019 - 01:50

Dois com Mitchum, mas já icônicos o suficientes pra se tornar vilão símbolo do subgênero (é uma pena que não tenha realizado um filme com Lang - de cabeça não me lembro).

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