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Entrevista 02 - Bigode

 

 

Esta é uma matéria produzida em parceria entre o Cineplayers e a Downtown Filmes, com o intuito de divulgar, redescobrir e reapaixonar o público brasileiro pelos nomes importantes da nossa história cinematográfica.

Foto de Arilda Drumond


Luiz Carlos Lacerda, ou vulgarmente Bigode, como é conhecido pelas pessoas do meio, começou cedo no cinema por influência do pai, João Tinoco Freitas, produtor e financiador de diversos filmes dos anos 50. Sua escola cinematográfica vem de Nelson Pereira dos Santos, com quem realizou muitos trabalhos como assistente de direção, desde El Justicero (1967) até O Amuleto de Ogum (1974), passando por Fome de Amor (1968) e Como Era Gostoso o Meu Francês (1971).

Estreou na direção com Mãos Vazias, em 1971, onde dirigiu a amiga e atriz Leila Diniz, que viria a falecer em um acidente de avião durante a divulgação do filme. Isso fez com que Bigode se inspirasse a fazer um filme sobre ela, também chamado Leila Diniz (1987), seu mais conhecido e premiado trabalho, onde fora interpretada por Louise Cardoso. Entre seus outros trabalhos na direção estão filmes como Como Era Freak o Meu Vale (1972), For All – O Trampolim da Vitória (1997) e Viva Sapato! (2003).

Fez diversas participações como ator, como em O Cortiço (1978), de Francisco Ramalho Jr., e A Idade da Terra (1980), de Glauber Rocha. Foi responsável por uma série de curtas-metragens sobre personalidades brasileiras, como Nelson Pereira, Lucio Cardoso e Cecilia Meireles. Defendeu a causa gay no curta-documentário Parada GLBT Rio 2002 (2002) e produziu e dirigiu vários seriados na TV. Se tudo isso não bastasse, trabalha também como professor e ministra cursos por todo o Brasil.

 


1.
No cinema brasileiro, mesmo nas tentativas bem-intencionadas de retratar o universo homossexual, muitas vezes estas ocorrem sob ponto de vistas moralizantes, ficando em extremos caricaturais ou superficiais. Você acha que estamos superando esse tipo de abordagem no cenário atual?

Luiz Carlos Lacerda: Quando você vê uma sala cheia, mandando público de volta, como aconteceu recentemente com Contracorrente (Contracorriente, 2009), o filme peruano, fica evidente que há um público, e não é só gay, que se interessa por esse tema. Por afinidade ou por curiosidade. Mas os produtores e, sobretudo, os Editais desconsideram isso. Madame Satã (2002) foi pioneiro, mas muito rejeitado na época, talvez pela questão também do racismo. Depois veio Cazuza - O Tempo Não Pára (2004), que na verdade é um filme sobre um grande ídolo popular, um dos nossos maiores poetas - mas que demonstra que o fato dele ser gay não diminui a freqüência do público. Precisamos de filmes que afirmem nossa identidade e dêem visibilidade a um mundo que já não vive mais na obscuridade. Até o STF nos reconhece e nos retira da clandestinidade social. Não pode haver melhor parâmetro do que esse!

2. Você trabalhou em cima de um romance do escritor Lucio Cardoso (que resultou no filme Mãos Vazias, 1971), autor de grande sensibilidade e também homossexual. Acredita que nossa literatura tenha tratado a homossexualidade com mais competência que o cinema?

L.C.L.: A cultura brasileira, de um modo geral, é machista, preconceituosa e ainda vive um pouco sob a influência da igreja católica, afinal, herdamos essa péssima herança ibérica: a expulsão dos mouros da Europa foi compreendida como uma adesão aos valores católicos - o que é uma pena e uma hipocrisia, pois nas suas fileiras escondem-se os criminosos praticantes da pedofilia. Não é somente no cinema ou na literatura, mas na música, no teatro, no futebol, em todas as nossas manifestações culturais esse preconceito sempre esteve presente. Mas as coisas começam a mudar junto com a sociedade. Quem imaginava um dia um jogador de futebol se assumir gay?

3. Existe algum romance ou autor que gostaria de adaptar, ou ver adaptado, para as telas?

L.C.L.: Tenho um roteiro adaptado do Bom Crioulo, do cearense Adolfo Caminha, que é o 1º romance de temática homossexual da literatura ocidental! Foi escrito no final do sec. XIX, antes de Morte em Veneza, que trata a questão de um amor platônico. O romance brasileiro fala do amor concreto, com sexo, palpável, de um negro marinheiro por um grumete branco. É um clássico e tem traduções recentes na Espanha, Alemanha, Estados Unidos... É um triângulo amoroso e bissexual - afinal, ninguém é perfeito. (Risos!)

4. Qual a verdadeira importância desses "filmes que fizeram a diferença", e de que forma acredita terem impactado a sociedade?

L.C.L.: Não acredito que o cinema, ou a arte, modifique ou revolucione a sociedade. Ele é um termômetro dessas mudanças. Às vezes pode-se forçar um pouco a barra, mas é preciso levar em consideração o interlocutor, que é o grande público. O Jean Genet e o Jean Cocteau fizeram filmes gays nos anos 40 e 50, na França, que hoje são clássicos, mas nunca saíram do circuito cult, das cinematecas. Hoje o público hetero assiste O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005) - que ganha até Oscar! O que mudou foi a sociedade.

 

Por Luiz Carlos Lacerda

 

5. Giselle (1980), de Victor di Mello

Conta a história de Giselle (Alba Valeria), filha adolescente do rico fazendeiro Lucchini (Nildo Parente). A jovem possui um comportamento liberal e promíscuo, tendo casos com a madrasta Haydée (Maria Lúcia Dahl) e com Ângelo (Carlo Mossy), capataz da fazenda de seu pai. Posteriormente, com a chegada do filho de Haydée, Serginho (Ricardo Faria), as intocáveis relações familiares passam a dar lugar a um triângulo amoroso entre os três, regado a sexo e busca do prazer físico e psicológico.

Saiba mais sobre Giselle.

 

4. A Estrela Sobe (1974), de Bruno Barreto

Outrora famosa cantora, Leniza (Betty Faria) agora é júri de um programa de calouros da televisão e relembra toda a sua trajetória artística. Nos áureos tempos do rádio, ela era uma humilde vendedora de um laboratório farmacêutico que sonhava com a fama. Uma popularidade que exige concessões.

Saiba mais sobre A Estrela Sobe.

 

3. Memórias do Cárcere (1984), de Nelson Pereira dos Santos

Após a Intentona Comunista, o escritor Graciliano Ramos (Carlos Vereza) é acusado de filiações comunistas e preso, o que inicialmente lhe parece a possível libertação de uma vida enfadonha com a mulher, o emprego público e o provincianismo de sua cidade. A crueldade do que vê na prisão é suportada pela dedicação à literatura, enquanto sua esposa e um advogado procuram meios para libertá-lo. Os prisioneiros o tratam com carinho, pois querem sair 'no livro', mas a doença começa a minar seu corpo.

Saiba mais sobre Memórias do Cárcere.

 

2. Jenipapo (1995), de Monique Gardenberg

Um padre e um repórter envolvem-se nas lutas dos sem-terra do Nordeste. A insistência do jornalista ameaça a vida do padre e de pessoas próximas a ele.

Saiba mais sobre Jenipapo.

 

1. Madame Satã (2002), de Karim Ainouz

No Rio de Janeiro, anos 30, o filme acompanha o dia-a-dia e a intimidade de João Francisco dos Santos (Lázaro Ramos) - malandro, artista, presidiário, pai adotivo, negro, pobre e homossexual. João acabou, mais tarde, transformando-se num mito carioca conhecido como Madame Satã.

Saiba mais sobre Madame Satã.

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Edições anteriores:

Leia também nossa coluna número 1, com a produtora Mariza Leão!

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