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Entrevista com Armando Praça, diretor de Greta

O diretor Armando Praça estreia esse ano na condução de longas metragens com Greta, na competição do Cine Ceará. O filme teve passagem em fevereiro pelo Festival de Berlim e estreia no próximo dia 10 de outubro em todo o Brasil, que irá conferir essa história densa, muito humana e tocante sobre Pedro, o enfermeiro vivido por Marco Nanini às voltas com a doença da irmã e o surgimento de uma relação surpreendente com um foragido da polícia. Abaixo, nosso papo com ele.

Cineplayers: Concebido como uma reimaginação do grande sucesso teatral dos anos 70 e 80 'Greta Garbo, quem diria, Acabou no Irajá', como foi descobrir dentro dessa obra de humor assumidamente rasgado a densidade possível que você encontrou para o seu roteiro? A ideia sempre foi ressignificar aquela obra?

Armando Praça: Antes de estudar cinema, eu estudei dramaturgia e acabei muito ligado a isso. Acabei conhecendo e estudando muito esse texto como um precursor do teatro de comédia surgido nos anos 80, o 'besteirol', que viria a dar em Mauro Rasi e Miguel Falabella, de autoria do pernambucano Fernando Melo que morreu muito precocemente depois de escrever apenas duas peças. Essa foi a primeira e sua primeira montagem datada de 1972, com Nestor de Montemar, Mario Gomes e Arlete Salles, e em São Paulo anos depois a montagem protagonizada por Raul Cortez fez muito sucesso junto à crítica. Depois de anos, eu finalmente vi uma montagem e as pessoas gargalhavam junto com Jorge Doria. Nesse sentido, a montagem era muito bem sucedida, mas eu me senti incomodado porque achei aquela história muito mais próxima de um drama que de uma comédia. Mas eu sei que por trás de uma grande comédia existe um grande drama e vice versa, até porque geralmente rimos daquilo que não conseguimos entender. De repente me vi pensando que aquele texto tão bonito não cabia mais para o riso. Então, me interessei por aqueles personagens, aquele universo é próximo desde os meus curtas, mas tudo também foi um desafio auto imposto como roteirista; 'será que isso ainda funciona?', claro que eu mexi bastante, foram 10 anos de atualizações, mas sempre me estimulou meter a mão nesse lugar e mexer naquilo ali, tanto o universo de mexer com um clássico da dramaturgia brasileira sabendo que ali tem um potente drama humano.

CP: Você disse ter tido uma pesquisa de campo pelos cenários que o filme caminha. Teria como explicitar isso?

AP: Eu fui pesquisar em saunas, em boates, mas aqueles ambientes não eram estranhos pra mim. O que eu fiz foi chegar nesses lugares e tentar mostrar às pessoas que tem milhões de preconceitos sobre esses ambientes, que nunca foram a saunas gays, sem reforçar esses preconceitos. A mesma pesquisa foi mais pra observar como construir as relações ali, como um funcionário dali e o personagem, ou entre frequentadores. Que isso reverberasse em quem frequenta, mas sobretudo em quem não frequenta. Tem um momento onde Pedro (Marco Nanini) sofre uma rejeição ali, qualquer pessoa já sofreu uma rejeição na vida, independente de ser gay. Eu quis trazer a relação entre as pessoas naqueles ambientes como em quaisquer outros, no sentido de desmistificar. Pra mim o mais difícil foi o hospital, porque não tenho vivência desse espaço, mas eu conversei com médicos e enfermeiros, homens, gays, mulheres... Pra entender a complexidade daquilo.

CP: Essa pesquisa hospitalar era pra tentar introduzir os elementos sexuais a ele, ou isso nasceu com a sua pesquisa?

AP: Esses elementos já existiam no roteiro. O que eu queria era confirmar de que maneira isso acontecia e com que frequência, me certificar e eventualmente colher novas histórias que pudessem alimentar o roteiro. Eu escrevo e meio que duvido daquelas possibilidades, então gosto de conversar pra saber sobre as relações entre paciente e cuidador, ou entre profissionais, e tudo isso me foi narrado. E de fato tanto um hospital quanto uma sauna, sem comparar, mas são ambientes de muita carência, então chega alguém e te dá um banho, te toca... O ser humano é sexualizado, não tem como fugir disso. Por conta de uma construção social isso pode soar absurdo, mas quem está ali fazendo 24 ou 48 h de plantão barra pesada, tem uma hora que é preciso relaxar. Por isso tem muito uso de droga, e muito sexo.

CP: O filme tem uma cena de um show de Daniela, personagem de Denise Weinberg. Poderia abrir como foi a construção dessa cena?

AP: Dentro da construção do melodrama, que foi onde trabalhei a ambientação estética e o trabalho com os atores, é muito comum a entrada de um número musical. Eu sei que se quisesse ser mais rigoroso dentro de uma estrutura dramática, tirando aquela cena, o filme existe. Mas fiz questão de dar uma despedida para aquela personagem, que tivesse a ver com o universo dela e lhe desse esse poder, um momento de glória. Além de ter tido algo interno de tentar construir as divas de cada personagem; se a de Pedro era Greta Garbo, a de Daniela eu queria que fosse nossa e nordestina: Elba Ramalho. Aquela versão (de Bate Coração) foi feita pra Denise, de uma forma que fosse bacana pra ela fazer. Além disso, a cena vem depois do sexo entre Pedro e Jean (Demick Lopes), que é uma cena densa, e eu achei que precisávamos de um momento de respiro.

Confira a crítica de Greta e a cobertura completa do 29º Cine Ceará no Cineplayers. 

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